Devido ao aumento da violência em vários países da América Latina, a resposta dos Governos tem sido endurecer os sistemas de justiça penal e aumentar as penas. Isso se deve ao fato dos sistemas políticos adotarem como estratégia de legitimação a bandeira de iniciativas legislativas populistas. Isso deu lugar ao aumento constante das taxas de população carcerária nas últimas décadas. Dessa forma, são reproduzidos modelos baseados na inocuização e neutralização do indivíduo nas prisões, como o modelo de Nayib Bukele, que tem 2% da população de El Salvador atrás das grades.
Atualmente, existe uma disjuntiva dialética sobre os sistemas penitenciários, entre os modelos ressocializadores e aqueles baseados na limitação de direitos humanos e no castigo das pessoas privadas de liberdade. Diante dessa dualidade, há uma série de elementos fundamentais que devem ser considerados na criação de uma política penitenciária que fomente a reintegração, a proteção da sociedade e a redução de reincidência, como estabelecem as Regras Mínimas Padrão para o Tratamento de Reclusos, conhecidas desde 2015 como Regras de Nelson Mandela (Regra 4).
Na América Latina, ao visitar diferentes prisões, pode-se constatar que em praticamente todas as regiões há evidências de abuso e violação dos direitos que garantem uma vida digna às pessoas que se encontram na prisão. A superlotação nas instalações penitenciárias se deve à combinação de diferentes fatores, entre eles, de um sistema de justiça que privilegia há décadas o uso de pena privativa de liberdade sobre todas as outras opções existentes.
Em 2022, fiz parte do grupo que elaborou o relatório sobre a diminuição de reincidência da Comissão de Prevenção do Delito e Justiça Penal das Nações Unidas. O relatório contém as conclusões e recomendações da reunião do grupo de especialistas sobre o Sistema de Justiça Penal, realizada no início do ano, na qual especialistas, acadêmicos, juízes e operadores de sistemas penitenciários de todas as regiões do mundo colaboraram mediante a apresentação de experiências e avaliação de práticas promissoras e seus resultados.
Quais são os aspectos fundamentais para considerar no momento de identificar medidas com o fim de reduzir a reincidência? E que estratégias devemos utilizar para a elaboração de uma política penitenciária baseada em evidências empíricas? Essas opções podem ser fornecidas como estratégia prática e flexível, não de caráter prescritivo, no contexto das circunstâncias específicas de cada nação e serem consideradas como alternativas para a prevenção do delito e a justiça penal.
Em geral, as conclusões mencionam os esforços para diminuir a reincidência a partir de “um enfoque global e multissetorial que inclui não só medidas dentro do sistema de justiça penal, mas também medidas externas ao mesmo”. É imperativo reduzir a reincidência, “abordar as causas sociais fundamentais do crime, como a pobreza, as desigualdades sociais e a discriminação, inclusive as relacionadas ao gênero”.
Em relação ao sistema de justiça penal, é fundamental, para reduzir a reincidência, o uso eficaz de medidas não privativas de liberdade, políticas de imposição de penas, tratamento prisional, reabilitação eficaz e programas de reintegração social. Também é chave a elaboração de “programas de justiça restaurativa para reduzir a reincidência, tanto como medida de remissão quanto como alternativa ou complemento às intervenções existentes na justiça penal em todas as fases do processo de justiça penal”.
A falta de políticas penitenciárias baseadas em evidência empírica, a implementação de modelos baseados exclusivamente na inocuidade e na punição extrema, a ampliação e o prolongamento das penas, a eliminação do devido processo durante a prisão e a substituição de sistemas autênticos de rendição têm sido as características da maior parte dos sistemas penitenciários na região.
Portanto, além dessas medidas e da necessidade de proteger o sistema penitenciário e sua administração da corrupção e o oportunismo, é preciso fomentar um compromisso político e gerar novas estratégias de cooperação interinstitucional entre a administração penitenciária e os órgãos externos.
O objetivo é reduzir o uso discursivo de modelos de reintegração e fomentar o compromisso de levar a cabo uma verdadeira transformação dos sistemas penitenciários. O aumento da desigualdade no exercício de direitos nas prisões causou e exacerbou o aumento da violência durante anos, que só pode ser superado mediante a aplicação dos princípios do Estado de direito na vida cotidiana das prisões.