Historicamente, ao falar dos partidos na América Latina se refere a organizações centralizadas, pouco democráticas, com uma alta concentração de poder na cúpula, e geralmente com poucos incentivos institucionais para o acesso de minorias étnicas, de gênero e jovens na tomada de decisões. Neste quadro, a falta de identidade partidária, a mudança drástica na dinâmica do voto, a diminuição das bases sociais, a diminuição da militância, a identidade ideológica difusa, a opacidade, a corrupção e o falso compromisso com a consolidação democrática são uma constante nestes sistemas e especialmente em suas organizações partidárias.
A realidade latino-americana evidenciou nas últimas duas décadas que a crise de representação está intimamente ligada à incapacidade dos partidos de aglutinar os interesses coletivos e adicioná-los ao processo decisório. Isto se tornou evidente com a crise institucional política no Peru nos últimos anos e as mobilizações sociais no Equador e no Chile que foram relevantes pouco antes da pandemia e se aprofundaram durante a mesma. Essas experiências são o resultado de uma estrutura sistêmica de desapego institucional e da incapacidade organizacional das partes de processar o interesse dos cidadãos.
a caracterização dos partidos políticos como instrumentos político-eleitorais tornou-se particularmente relevante na percepção da classe política e dos cidadãos.
Neste contexto, a caracterização dos partidos políticos como instrumentos político-eleitorais tornou-se particularmente relevante na percepção da classe política e dos cidadãos. O fenômeno, apesar de não ser exclusivamente latino-americano, está se aprofundando nas entranhas das democracias da terceira onda. Atualmente, os partidos deixaram de desempenhar um papel de liderança como operadores do sistema democrático e passaram para o segundo plano como instrumentos de acesso ao poder, perdendo a responsabilidade política e social. Aqui reside a ideia que consolida o surgimento dos partidos presidenciais, associados à sua vertente populista.
O surgimento de partidos presidenciais, em específico sua vertente populista, tem a ver não apenas com uma estrutura sistêmica associada à incapacidade da democracia de responder à sociedade, ou com a própria erosão dos modelos econômicos, ou com as já conhecidas trajetórias históricas que justificam líderes e lideranças carismáticas, mas também com instituições fracas. Entre eles, as figuras de representação política por excelência, os partidos, são uma ferramenta fundamental para o funcionamento orgânico do populismo.
A ideia que vincula o populismo e os partidos presidenciais tem sua base no fato de que nenhum populismo latino-americano está originalmente associado a um partido político forte, e/ou mesmo com a existência prévia de um partido político. Entretanto, todos os populismos exigem que um partido ascenda ao poder.
Paradoxalmente, a ideia de um partido – independentemente do conceito e do adjetivo – indispensável para a democracia, adere à transformação do partido como um instrumento político necessário para processar seu acesso ao poder através da via eleitoral. Embora seja verdade que os populismos latino-americanos têm como eixo central a concentração do poder e, portanto, a incapacidade de democratizar a tomada de decisões, a relação com os partidos é inevitável.
Um exemplo é o nome do Movimento ao Socialismo (MAS) na Bolívia e a primeira postulação de Evo Morales no início do século, que agregava a sigla IP (Instrumento Político). Desta forma, a organização partidária é entendida como uma ferramenta necessária para o acesso ao poder.
Estes partidos evoluíram de instituições fracas para o surgimento de lideranças carismáticas ou são organizações criadas diretamente por necessidade do líder. O caso do Movimento de Regeneração Nacional e Andrés M. López Obrador no México, Jair Bolsonaro no Brasil com o Partido Progressista em seu início e, posteriormente, a criação da Aliança pelo Brasil ou o caso de Rafael Correa no Equador com a Alianza País são alguns dos mais visíveis.
O caso de Daniel Ortega na Nicarágua com a Frente Sandinista de Liberación Nacional ou Cristina e Néstor Kirchner na Argentina com o Partido Justicialista são exceções. Entretanto, nestes casos, se assume a ideia generalizada do político acima da instituição política, na medida em que essa lhe permitirá chegar ao poder.
Esta associação consolida o tradicional jogo centralizador dos partidos na região com a ideia do líder reivindicador das causas excluídas pela democracia e suas instituições. Como consequência, a ideia de um partido tende a desaparecer e/ou a manifestar processos mais longos de institucionalização devido ao reajuste em seus processos internos associados ao líder político.
Sob esta perspectiva, a existência de partidos presidenciais parece fazer mais sentido, especialmente nas realidades políticas da Guatemala, Peru ou Brasil e crescendo em outras democracias, como México e Chile, que discutem a relevância da estrutura em que os partidos operam. Portanto, o fortalecimento dos partidos políticos é elementar para um melhor funcionamento da democracia e da representação política e, portanto, para superar uma concepção ultrapassada de seu significado.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Foto de faridhMendoza em Foter.com / CC BY-NC-SA