Não há estado, província, departamento, distrito ou localidade na região latino-americana que possa estar tão na mídia hoje quanto Sinaloa, assim como Medellín ou Cali já estiveram.
Essa região do noroeste mexicano, com cerca de 30.000 km², abençoada pela natureza com onze rios, vales agrícolas generosos, mais de 600 km de litoral e a Sierra Madre Occidental, rica em recursos minerais e florestais, dá trabalho e alimento para seus mais de 3 milhões de habitantes.
Embora essas características naturais sejam suficientes para o reconhecer como o celeiro e o grande produtor de alimentos do México, não é por isso que é reconhecido no mundo, mas pela referência recorrente que tem com o mundo do narcotráfico e seus lendários capos, que tem sido tema de mitos, corridos, filmes, livros e séries.
Sem ir muito longe, hoje Sinaloa está no centro das manchetes pela captura, sequestro ou entrega acordada, não se sabe ao certo, dos chefões do chamado Cartel de Sinaloa ao governo dos Estados Unidos da América.
Ismael El Mayo Zambada García e Joaquín Guzmán López, filho do lendário Joaquín El Chapo Guzmán, estão em prisões estadunidenses esperando julgamento por tráfico de drogas em meio a informações nebulosas sobre o que realmente ocorreu em 25 de julho em Culiacán, capital do estado, quando um avião Cessna partiu para Santa Teresa, Novo México, onde agentes federais os esperavam para detê-los e enviá-los à prisões em El Paso e Chicago.
Esse evento teria sido apenas mais uma colaboração entre as autoridades judiciais de México e Estados Unidos, não fosse o fato de que, segudo o presidente López Obrador, ele não foi informado da prisão de Ismael Zambada, reconhecido como o “chefe dos chefes” do poderoso Cartel de Sinaloa, o que deixa uma série de dúvidas sobre se as prisões foram produto de traição ou se foram realizadas diretamente por agentes estadunidenses no território mexicano, violando a soberania nacional. Ou uma mistura dos dois.
Durante duas semanas, López Obrador exigiu informações do governo estadunidense sem obter resposta, alimentando suspeitas de que os agentes federais haviam agido motu proprio. Isso levou o embaixador Ken Salazar a dizer à imprensa que seu governo não tinha nada a ver com isso e que tudo era produto de um sequestro de Guzmán López em detrimento da liberdade do chamado “chefe dos chefes”.
No dia seguinte, o advogado de Ismael Zambada divulgou uma carta assinada por seu cliente na qual narra o ocorrido e concorda com o expressado por Ken Salazar: que ele havia sido subjugado por pistoleiros de Guzmán Salazar e que havia sido colocado à força no avião que o levaria à fronteira do Novo México.
Mas disse algo mais: que havia sido convocado para uma reunião nos subúrbios de Culiacán com o governador Rubén Rocha Moya e o deputado federal eleito Héctor Melesio Cuén Ojeda para mediar o conflito entre os dois de quase dois anos em relação ao controle político da Universidade Autônoma de Sinaloa (UAS), que para o governador morenista seria a culminação de um projeto autocrático para capturar as instituições públicas do estado.
Cuén Ojeda, de acordo com essa versão, teria sido assassinado no contexto da reunião mencionada, e o mesmo poderia ter acontecido com o guarda-costas de Zambada García.
Um comandante interino da Procuradoria Geral do Estado provocou especulações, sobretudo quando essa instituição ofereceu à imprensa um vídeo de assassinos motorizados supostamente assassinando Cuén Ojeda em um posto de gasolina no norte de Culiacán, o que, de acordo com as investigações da Procuradoria Geral, acabou sendo uma armação. Nesse documento visual, além dos assassinos, podem ser vistos dois carros de patrulha da polícia com as torres ligadas, cujos ocupantes não intervêm e saem ipso facto quando ocorre o assassinato do ex-reitor da UAS.
Diante desses acontecimentos, que serviram para apontar o dedo para o governador Rocha Moya como um narcotraficante político, o presidente López Obrador, a presidente eleita Claudia Sheinbaum e a união de governadores do partido Morena se manifestaram imediatamente a favor de sua inocência, o que foi interpretado como uma pressão sobre a Procuradoria Geral da República, que assumiu o caso para investigá-lo, dado o conflito de interesses que o governo de Sinaloa tem ao fazer parte do problema de confiança.
Em resumo, a Sinaloa dos onze rios, com seus vales verdes, é o cenário de uma suposta traição no mundo do narcotráfico, a expressão da narcopolítica que levou à captura de territórios e instituições e a uma crise de confiança nas relações bilaterais entre os dois países.
Autor
Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.