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Milei e Trump: um remake das “relações carnais” da era menemista?

As novas “relações carnais” entre a Argentina e os Estados Unidos não são um simples retorno ao passado, mas um reflexo de um contexto global profundamente transformado.

A recente reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos gerou descontentamento em vários governos latino-americanos de centro-esquerda – seja em países de peso, como Brasil, México e Colômbia, ou em nações menores, como Guatemala e Honduras – que sentiram que a continuidade, representada pela fórmula Harris-Walz, oferecia mais possibilidades de diálogo e cooperação. Entretanto, nem todos os governantes da região receberam com desagrado a vitória do ex-presidente republicano. Na Argentina, a eleição de Trump foi recebida com entusiasmo.

Um cúmplice na América Latina

Ao contrário da maioria de seus vizinhos regionais, o presidente da Argentina, Javier Milei, nunca escondeu sua simpatia pelo republicano. Em uma reunião recente na CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), Milei abraçou Trump com entusiasmo e se declarou parte do movimento “MAGA”, que, de acordo com o presidente argentino, significa não apenas “Make America Great Again”, mas também “Make Argentina Great Again”. Depois de eleito, Trump não apenas convidou Milei para uma recepção em sua residência em Mar-a-Lago, mas ambos apareceram sorridentes ao lado de Elon Musk, proprietário do X (antigo Twitter).

A proximidade entre Milei e os Estados Unidos, no entanto, não é nova nem se limita à figura de Trump. Inclusive, durante a administração de Joe Biden, o governo argentino mostrou um alinhamento notável com a política externa dos Estados Unidos, especialmente em fóruns como a ONU. De fato, quando a representante da Argentina, Diana Mondino, votou contra o embargo estadunidense a Cuba na Assembleia Geral das Nações Unidas, ela foi imediatamente substituída como ministra das Relações Exteriores. Essa mudança mais uma vez enfatizou a centralidade dos Estados Unidos na política externa do governo Milei.

Dada a evidente afinidade pessoal e ideológica entre Milei e Trump, vale a pena perguntar se esta é uma nova era de “relações carnais” entre a Argentina e os Estados Unidos. A expressão, cunhada pelo ministro das Relações Exteriores de Carlos Menem (1989-1999), Guido Di Tella, na década de 1990, referia-se ao estreito alinhamento com os Estados Unidos, no contexto da hegemonia global norte-americana, com o objetivo de obter benefícios políticos e econômicos.

Embora essa postura tenha encontrado apoio teórico no “realismo periférico” do cientista político Carlos Escudé, na prática implicava um alinhamento quase total com as políticas dos Estados Unidos, fosse no governo republicano de George H. W. Bush (1989-1993) ou no governo democrata de Bill Clinton (1993-2001). Esse alinhamento incluiu o apoio constante às posturas estadunidenses nas Nações Unidas e a promoção de iniciativas controversas, como a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e a participação da Argentina na coalizão liderada pelos Estados Unidos durante a Guerra do Golfo (1990-1991), com apoio militar direto.

Milei, um reflexo de Menem

Milei se declarou abertamente um admirador do governo de Menem. Recentemente, o presidente argentino, acompanhado por Zulema Menem, filha do ex-presidente, inaugurou um busto do ex-presidente na Casa Rosada. Ao longo de sua carreira, Milei fez inúmeras referências ao período Menem, destacando particularmente a figura de Domingo Cavallo, Ministro da Economia entre 1991 e 1999, conhecido por promover reformas econômicas liberais e por estabelecer o regime de conversibilidade, que estabeleceu uma paridade fixa entre o peso argentino e o dólar, aproximando-se de fato a uma dolarização da economia.

Para Milei, Cavallo é “o melhor ministro da economia de toda a história”, e seu modelo de dolarização continua sendo uma referência central na agenda econômica do presidente. Portanto, fica claro que a associação entre Milei e Menem vai muito além da coincidência de suas iniciais e de seus estilos pessoais característicos. Ambos representam uma combinação de liberalismo econômico radical e um vínculo estreito com os Estados Unidos em matéria de política externa. De fato, mesmo durante a presidência de Biden, já era possível falar de uma versão renovada das “relações carnais” entre a Argentina e os Estados Unidos.

Entretanto, essa disposição de se alinhar com os Estados Unidos se tornou ainda mais evidente com a eleição de Trump. Essa mudança não se deve apenas ao contexto político, mas também a uma coincidência ideológica significativa entre o presidente republicano e o argentino. O movimento MAGA não é apenas um acrônimo, mas uma agenda política compartilhada por ambos os governos. Internamente, inclui uma rejeição extrema da esquerda – identificada na prática pela desqualificação de qualquer adversário político como “socialista” ou “comunista”, incluindo os aliados do PRO (Proposta Republicana) de Mauricio Macri, que Milei descreveu como “socialistas amarelos” -; uma oposição frontal aos direitos reprodutivos e LGBT; e a promoção de uma economia desregulamentada e desburocratizada.

No âmbito externo, essa agenda se reflete em um forte apoio a Israel, um endurecimento da retórica em relação à China e um desdém pelas instituições multilaterais associadas à ordem internacional liberal, como as Nações Unidas e a OMC.

Mas, embora possamos falar de “relações carnais” entre o governo de Milei e o de Trump, elas não são as mesmas da década de 1990. As relações de Menem com os Estados Unidos eram guiadas por um pragmatismo estratégico que buscava benefícios concretos por meio da proximidade com a potência hegemônica. Em contraste, as que estão sendo forjadas entre Milei e Trump baseiam-se na afinidade ideológica e em uma visão de mundo compartilhada que busca desafiar os princípios da ordem internacional liberal da década de 1990.

Essa nova era de relações também terá implicações significativas para a política externa da Argentina na região e no mundo. É provável que os conflitos com governos de esquerda se intensifiquem, sejam eles autocráticos, como os de Cuba, Nicarágua e Venezuela, ou democráticos, como os do México e da Colômbia, cujos presidentes foram descritos por Milei como “ignorantes” e “assassinos”, respectivamente.

Além disso, em seu alinhamento com Washington, o governo argentino poderia discordar cada vez mais de parceiros estratégicos como o Brasil, o Chile e agora também o Uruguai, ao contrário da política externa de Menem, dadas as necessidades comerciais do momento. Por outro lado, embora o vínculo com o FMI continue forte, a Argentina terá que se distanciar progressivamente de outras organizações multilaterais.

Em suma, as novas “relações carnais” entre a Argentina e os Estados Unidos não são um simples retorno ao passado, mas um reflexo de um contexto global profundamente transformado. Enquanto Milei retoma parte da agenda econômica menemista, o relacionamento com os Estados Unidos parece estar cada vez mais orientado por uma crítica radical dos valores universais da década de 1990 e da ordem internacional liberal que eles sustentavam. Essa mudança marca um novo estágio no relacionamento bilateral, no qual a convergência ideológica desempenha um papel central.

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar.

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Socióloga pela Universidade de São Paulo e mestre em estudos latino-americanos pelas universidades de Salamanca, Estocolmo e Paris 3-Sorbonne Nouvelle. Membro do grupo interuniversitário de pesquisa e estudos Observatório do Regionalismo.

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