Exploremos o seguinte argumento: a máquina morenista ganhou a presidência da República muito graças a uma eleição em que não pouparam recursos para obter uma vitória que não deixasse dúvidas. Obtiveram um triunfo legislativo abaixo do limite da lei, mas a coerção de conselheiros e magistrados eleitorais o transformou em uma maioria qualificada que permitiu que Morena e seus aliados fizessem reformas constitucionais e regulatórias que possibilitarão uma mudança de regime que lhes permitirá, se nada mais, conservar o poder ad infinitum. Ademais, essa maioria legislativa afastou a oposição, apesar de ela ter obtido 44% dos votos e estar sub-representada no Congresso da União; o mesmo ocorre nos estados e municípios, onde a oposição, na maioria deles, tem um caráter testemunhal que nos devolve de facto ao distante estágio do partido hegemônico sem oposição do PRI (Sartori dixit).
E resta saber até onde esse domínio duramente conquistado pode ser usado com as artes ruins da política, se não se torna um problema quando é extrapolado, mais cedo ou mais tarde, ao âmbito das relações internacionais, sobretudo com as democracias ocidentais consolidadas.
É claro que o setor mais retrógrado, autocrático e autoritário da esquerda latino-americana lambe os lábios vendo que no México foi “tudo tão perfeito”. Por outro lado, vimos o oposto na Venezuela, onde o “progressista” Nicolás Maduro não conseguiu, mesmo com todos os recursos do governo, provar os resultados que lhe dariam a vitória voto a voto, algo que a dupla Edmundo González-María Corina Machado conseguiu fazer de forma convincente.
Ou seja, diante países e organizações internacionais, a habilitação de Maduro como presidente da Venezuela corresponde a uma ditadura de esquerda e isso, ipso facto, significou o repúdio da União Europeia e dos Estados Unidos, que inclusive oferece uma recompensa de 25 milhões de dólares a quem fornecer informações (ou melhor, a quem as entregar) para a captura do homem que ocupa a residência oficial de Miraflores.
E o primeiro golpe midiático já foi dado contra o México. Donald Trump disse que o país é “governado pelos cartéis” e ameaça que, quando assumir a presidência, irá combatê-los em nosso território. Isso, além do que a Presidente Sheinbaum chama de “um estilo de comunicação”, é uma definição política.
Basta inverter a expressão “governado pelos cartéis” para concluir que, na visão dominante dos Estados Unidos, quem governa o México faz parte da lógica da cartelização da vida política do país. Aliás, há muitas evidências, inclusive reconhecidas oficialmente pelo próprio governo em nível municipal.
E a prova será se a presidente Sheinbaum foi ou não convidada para a posse do presidente Trump. Se for convidada, como deveria ser como vizinhos e parceiros comerciais, será visto como um retrocesso na caracterização que Trump faz do sistema político mexicano; se não, representa um mau sinal para as relações bilaterais.
Ou seja, de que adiantará ter a presidência da República, o Congresso da União, os três poderes, a ampla maioria de estados e municípios, se o presidente, o Congresso, os governadores e as agências estadunidenses estão em sintonia com a caracterização narca da política mexicana?
Sei que se dirá que é uma estratégia para minar a oposição e obter benefícios em uma eventual negociação bilateral – escrevi o mesmo ex ante –; no entanto, se isso se tornar uma política que será martelada pelo executivo, pelo Departamento de Estado, pela embaixada estadunidense, pela patrulha fronteiriça (Border Patrol), pela DEA e outras agências de segurança estadunidenses, estaremos falando de outra coisa, não da campanha por votos.
E nesse ponto, em que a campanha se tornou o governo, temos de nos perguntar se essa grande conquista obtida pelo uso de truques ruins será uma força ou uma fraqueza de nosso país. Isso me remete à experiência do Canadá, onde Justin Tradeau, o primeiro-ministro, renunciou ao cargo sem que isso signifique uma convulsão que questionasse o sistema político, mas sim uma força, porque, de acordo com seu sistema parlamentar, ele seguirá no cargo até que seu partido, o Partido Liberal, nomeie um novo primeiro-ministro que governará até as eleições de outubro próximo. E a oposição conservadora canadense, embora peça eleições antecipadas, não tem problemas em seguir as regras estabelecidas.
O problema é que, depois do abuso cometido no México, a oposição, apesar de ter obtido 44% dos votos legislativos, está sub-representada, e isso é uma fraqueza da presidente e de sua equipe de governo. Os gringos conhecem o processo de captura das instituições republicanas e seu efeito na representação política, assim como sabem que fortalecer essa maioria significa ceder e, na lógica imperial, se preferirem, Trump sabe que não deve ceder um centímetro, pois isso fortalecerá os “inimigos”.
Claudia Sheinbaum foi imprudente ao lidar com a situação na Venezuela, pois enquanto ela passou a caracterizar Maduro como um “progressista”, equiparando-o a Lula e Boric, até mesmo a Petro, o rejeitam por não poder provar seu triunfo com as atas de contagem, e ela acabou falando sobre a “autodeterminação dos povos”, como se a Constituição não falasse em salvaguardar os princípios da coexistência democrática.
Em suma, um poder que por dentro é absoluto, por fora range, porque a legitimidade está em questão na narrativa dominante estadunidense. Não é só uma jogada, mas parte de uma combinação de animosidade e realidades que a equipe de Trump conhece. E eles não hesitarão em usar isso a seu favor.
Tradução automática revisada por Isabel Lima
Autor
Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.