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A descentralização na América Latina: a luta histórico pela autonomia territorial

A história da descentralização na América Latina revela uma luta persistente entre a aspiração autonômica dos territórios e o instinto centralizador dos Estados.

As estruturas administrativas e fiscais que hoje definem a organização territorial dos países latino-americanos são herdeiras de múltiplos passados, cujas raízes profundas se afundam em suas experiências coloniais. Para a América hispânica, o legado borbônico do século XVIII impôs uma tradição centralista destinada a fortalecer o controle fiscal da Coroa, enquanto a colonização portuguesa no Brasil cultivou uma descentralização mais orgânica. Após as independências, essa divergência inicial se ampliou: os territórios hispano-americanos oscilaram entre experiências federalistas e bruscas recentralizações, sempre ao ritmo das guerras civis e dos conflitos interestaduais que forjaram seus Estados nacionais. Assim, os modelos atuais de gestão territorial levam a marca indelével desses séculos de tentativa e erro institucional.

Esses processos se cristalizaram em ordens constitucionais que institucionalizaram o grau de descentralização de cada nação. Em federações como Argentina, Brasil e México, a autonomia subnacional se erige como um direito originário, não como uma simples concessão do poder central. A Argentina articula esse princípio mediante províncias com governos plenos e um sistema fiscal misto que combina impostos próprios com a sempre conflituosa coparticipação federal. O Brasil radicaliza essa lógica ao constitucionalizar até mesmo a autonomia municipal, sustentada em tributos locais como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O México, por outro lado, apresenta um federalismo atenuado, em que os estados, apesar de sua autonomia formal, dependem financeiramente das transferências federais, herdeiras de uma tradição centralista.

Por sua vez, países como Chile, Peru e Colômbia têm sido dominados por uma tradição centralista, com breves períodos de descentralização que costumam ser revertidos. O Chile encarna o centralismo mais puro: inclusive com governadores eleitos, sua autonomia fiscal é mínima e serviços essenciais como saúde e educação são dirigidos por ministérios nacionais. O Peru encontra-se em um limbo descentralizador, onde governos regionais nominais operam sob o controle rígido de Lima sobre o canon minerário e outros recursos. A Colômbia, por sua vez, vive um paradoxo: construiu uma descentralização administrativa notável, na qual os territórios administram serviços vitais, mas o faz com recursos alheios, evidenciando a contradição fundamental entre gastos descentralizados e arrecadação centralizada que define os Estados unitários da região.

A comparação dos dados fiscais recentes revela padrões estruturais decisivos na organização territorial desses três países. A Colômbia emerge com uma peculiaridade singular: ostenta o maior grau de descentralização dos gastos públicos entre os três países, com os governos territoriais (departamentos e municípios) executando uma proporção significativamente maior de recursos do que seus pares andinos: cerca de 40% dos gastos totais do governo geral, uma proporção notavelmente superior aos 25% do Chile e aos 20% do Peru, calculados com dados da CEPAL. No entanto, essa autonomia operacional é enganosa, pois se baseia no fato de que a esmagadora maioria de suas receitas provém de transferências centrais por meio do Sistema Geral de Participações (SGP), evidenciando uma profunda dependência financeira do nível nacional. O Chile, por sua vez, representa a coerência centralista: seu governo central concentra a maioria dos gastos públicos (75% dos gastos públicos totais do governo), enquanto as regiões, províncias e municípios dependem quase que totalmente de fundos como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com uma arrecadação própria mínima. O Peru completa este panorama com o modelo mais extremo de concentração fiscal (80% dos gastos são decididos centralmente), onde mesmo mecanismos de redistribuição como o canon minerário são tão regulados pelo governo central que não conseguem alterar a lógica de dependência territorial.

A paradoxalidade colombiana manifesta-se numa descentralização truncada: o país executa de forma descentralizada, mas arrecada de forma centralizada. Enquanto Chile e Peru mantêm uma coerência centralista, a Colômbia criou um híbrido onde os territórios administram serviços cruciais com recursos externos. Essa contradição se acentua no nível departamental, onde a Constituição de 1991 prometeu um equilíbrio territorial que nunca se concretizou plenamente. Três décadas de reformas transformaram os departamentos em administradores passivos do SGP, com uma autonomia fiscal que mal chega a 10% a 15% de suas receitas. Os departamentos assumem responsabilidades estratégicas — desde hospitais de alta complexidade até a gestão de bacias hidrográficas —, mas operam com as mãos fiscais atadas pelo governo central. Além disso, enquanto grandes cidades como Bogotá ou Medellín mobilizam receitas próprias robustas, a maioria dos governos estaduais definha sem recursos autônomos. Essa separação entre competências e capacidade financeira criou um sistema atrofiado, onde a descentralização colombiana continua sendo um projeto incompleto, preso entre a retórica da autonomia e a realidade de um centralismo fiscal que sufoca o desenvolvimento territorial.

Chile, Peru e Colômbia compartilham tentativas recentes de reformar as competências fiscais de suas regiões, embora com estratégias divergentes. Enquanto o Chile avançou gradualmente do territorial para o centro desde a reforma da regionalização do país em 2018, o Peru e a Colômbia optaram pelo caminho contrário, impulsionando reformas a partir do nível central. A recente Lei Orgânica de Competências apresentada na Colômbia em setembro deste ano ilustra esse modelo: embora busque definir as obrigações territoriais em educação, saúde e infraestrutura com os novos recursos do SGP, o projeto falha em seu objetivo essencial. Longe de delimitar competências, revoga normas essenciais sem estabelecer mecanismos de substituição, omite definir a distribuição concreta de recursos — gerando um grave risco financeiro para os municípios — e cria um Conselho Superior de Autonomia controlado por entidades nacionais que burocratiza a tomada de decisões. Ademais, delega aspectos cruciais a “futuras regulamentações” não especificadas e reintroduz reformas já acordadas pelo Congresso, ignorando consensos anteriores. A iniciativa, em vez de esclarecer, aprofunda a incerteza.

Após a reforma do SGP aprovada em 2024, a Colômbia tenta o que poderia ser chamado de uma “aterrissagem controlada” da descentralização, combinando a clareza jurídica que o Peru não conseguiu implementar com uma injeção de recursos que o Chile aplicou de forma mais gradual. Essa encruzilhada reflete o paradoxo colombiano: o país busca aperfeiçoar um mecanismo como o SGP, que já permite uma descentralização operacional excepcional na região, embora ainda sujeita à vontade fiscal do centro. Como costuma acontecer na América Latina, o êxito final não dependerá das leis escritas, mas da alquimia evasiva entre a vontade política, a herança institucional e a capacidade de gestão nos territórios.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

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Professor Associado da Universidade Jorge Tadeo Lozano. Coeditor do livro "Os relatos do federalismo colombiano". Atualmente é candidato a doutorado na Universidade da Califórnia, San Diego.

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