A pota (lula gigante) já foi um recurso marinho abundante e uma fonte barata de proteína no Peru. A história é longa, mas fácil de entender. Até o final do ano passado, o Peru era o país que desembarcava a maior quantidade desse recurso no mundo. Atrás dele, porém, vinha a China. Onde os chineses pescam? Principalmente na costa da América do Sul.
O que está acontecendo agora no Peru deveria fazer soar o alarme no resto do continente. A marinha peruana se colocou oficialmente aos pés dos interesses comerciais da China. Em vez de proteger os recursos marinhos de seu país, decidiu se alinhar com a embaixada do regime comunista para liberar seus navios, que são conhecidos mundialmente por saquear os oceanos sem maiores receios.
Depoimentos dos pescadores
Antigos pescadores peruanos dizem que, há 20 anos, a frota que vinha para pescar lulas era, em sua maioria, coreana. O padrão era muito semelhante ao que vemos agora.
Imagens de satélite mostram uma mancha perene de embarcações estrangeiras posicionadas na borda das 200 milhas da zona marítima do Peru. Uma zona que faz fronteira com águas internacionais. Em teoria, eles pescam fora do limite, mas todos sabem que esse não é bem assim.
Hoje se acumulam reclamações de pescadores peruanos contra barcos chineses por entrarem na zona de 200 milhas, acenderem suas luzes de pesca e soltarem suas linhas de pesca para pegar a lula. Essa é uma atividade absolutamente ilegal. De acordo com essas fontes, os coreanos eram “bebês de colo” ao lado da frota chinesa. Sua operação era pequena em comparação com a do país comunista e a quantidade de lula que eles pegavam não perturbava a pesca local.
Mas as coisas mudaram. Hoje, a China está deixando o Peru sem pota. Um quilo desse produto, que costumava custar quatro soles, subiu para mais de 24 soles nos últimos meses. Isso representa um golpe para as famílias mais pobres, porque a pota costumava ser uma fonte barata de proteína na mesa dos peruanos. Mas quase ninguém pode mais pagar por ela. Sai mais cara do que o frango.
E tudo isso se deve à escassez. Há meses que o produto não está disponível nos mercados. Nas redes sociais, há muitos vídeos de pescadores reclamando porque foram obrigados a coletar conchas de leques para sobreviver, já que não há pota para pescar. Eles ficaram sem trabalho.
Pelas águas latino-americanas
Os especialistas da Calamasur estão muito preocupados com a sobrevivência do recurso neste lado do continente. Trata-se do Comitê para a Gestão Sustentável da Lula Gigante no Pacífico Sul, formado por pescadores do Chile, Equador, México e Peru. Mas atenção: os barcos chineses não operam apenas no Pacífico. Quando a temporada termina aqui, eles contornam o Estreito de Magalhães até o outro lado da América. E lá eles pescam nas águas da Argentina e do Uruguai.
De fato, uma investigação publicada no La Contra descobriu que o navio Hong Pu 16 foi detectado pela marinha argentina pescando ilegalmente em suas águas antes de entrar nos estaleiros da marinha peruana, de acordo com o registro do portal de jornalistas marítimos, The Outlaw Ocean Project. Lá, ele foi interceptado e escoltado até o porto de Bahia Blanca.
Aos pés da China
Mediante rastreo de imágenes satelitales, la investigación ubica el ingreso de al menos una decena de barcos chinos a los astilleros de los Servicios Industriales de la Marina (SIMA). Es la empresa pública que se encarga de dar mantenimiento a los barcos. Las naves chinas que recibe, que pagan muy bien, son parte de la flota que saca pota ilegalmente de aguas peruanas.
Ao rastrear imagens de satélite, a investigação localizou a entrada de pelo menos uma dúzia de barcos chineses nos estaleiros dos Serviços Industriais da Marinha (SIMA). Essa é a empresa pública responsável pela manutenção dos navios. Os navios chineses que recebe, que pagam muito bem, fazem parte da frota que retira ilegalmente a pota das águas peruanas.
A marinha peruana não é apenas incapaz de proteger suas 200 milhas de incursões estrangeiras. Ela também fornece serviços de manutenção para os navios que compõem a frota chinesa. E decidiu defender seus interesses, tanto perante o Congresso peruano quanto perante a opinião pública. No início de setembro, representantes da marinha foram ao Congresso no Peru para pedir que não fossem aprovadas novas exigências para os navios chineses. Disseram que mais exigências poderiam ser vistas como “barreiras burocráticas”.
Em meados de setembro, Rodolfo Sablich, diretor da Dirección de Capitanías y Guardacostas (Dicapi) da Marinha do Peru, viajou à China para assinar um memorando de amizade com a guarda costeira da China. As relações entre a marinha peruana e o partido comunista parecem estar indo de vento em popa. Tanto que, diante do escândalo nacional desencadeado pelo aumento do preço da pota e da associação com a frota chinesa, a marinha garantiu publicamente que nenhuma embarcação chinesa está pescando ilegalmente em águas peruanas.
Em 1º de outubro, o embaixador chinês no Peru deu uma entrevista – uma das poucas que concedeu – ao jornal Gestión e garantiu exatamente a mesma coisa: que não há pesca ilegal por parte da frota de seu país e que o que os pescadores estão denunciando é fruto de sua imaginação. Quase como se uma resposta conjunta tivesse sido coordenada entre dois parceiros comerciais. Será que eles estão se protegendo mutuamente?
Discurso oficial
Ambos – a Marinha e a Embaixada da China – alegam a mesma coisa: que a escassez de pota se deve apenas ao fenômeno El Niño. O El Niño deste ano foi muito mais fraco do que nos anos anteriores. Além disso, os pescadores se perguntam por que ele está afetando apenas a pesca da pota, quando outros recursos estratégicos – como a anchova – estão registrando números saudáveis de descarga.
Além disso, a investigação de La Contra mostra uma longa lista de irregularidades detectadas na frota chinesa que opera na costa do Peru. Por exemplo, os navios desligam seus radares anticolisão justamente quando estão a cerca de 200 milhas. Também, quando saem dos portos peruanos, são observados se movendo a menos de dois nós, o que é conhecido em todo o mundo como velocidade de pesca. Por que a pesca ilegal chinesa é descoberta na Argentina, mas não no Peru? Será que é porque eles decidiram respeitar as regras de navegação aqui?
Apesar dos fortes indícios de que a frota chinesa é responsável pela depredação ilegal do recurso, a marinha peruana decidiu defendê-la. Seus navios pagam grandes taxas de manutenção todos os anos. Enquanto isso, os pescadores locais estão exigindo que alguém os defenda.
*Texto publicado originalmente no Diálogo Político
Autor
Jornalista e editor do Diario Gestión. Especializado em investimentos chineses no Peru. Colaborador do Análise Sínico em CADAL - Centro para la Abertura e o Desenvolvimento da América Latina. www.cadal.org