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A tômbola de juízes, magistrados e ministros no México

Uma nova era se iniciará, não só para o Judiciário, mas também para a relação entre os poderes do Estado, já que as novas leis estabelecidas pelo Poder Executivo e o Legislativo estabelecem um Judiciário sem poder próprio.

A Real Academia de la Lengua Española define tômbola como um “sorteio público de vários objetos, geralmente como negócio de feira ou para fins de caridade”. Ou seja, o significado não envolve cargo público, mas simplesmente se refere a um exercício em que objetos ou bens sujeitos ao acaso estão em jogo. 

Assim, a palavra tômbola tem uma conotação lúdica e está associada aos concursos realizados em festas e feiras populares como parte de uma diversão coletiva. 

Em contraste, os processos de seleção de juízes, magistrados e ministros são racionais; envolvem posições de poder em matéria de justiça, o que os situa, de imediato, longe da alegria de ganhar uma boneca ou um vaso. Exige-se que esses servidores públicos de toga e capelo sejam os mais bem preparados para que, conhecendo a lei, façam justiça que é indispensável em qualquer sociedade democrática. 

Essa é a constante na carreira judicial e, portanto, é algo ligado à vocação, ao preparo acadêmico, à honra profissional e, sobretudo, a um elevado senso de justiça para que os processos judiciais não dependam de afinidades políticas ou econômicas que possam existir em um regime de separação de poderes. Para muitos, essa tem sido a maior fraqueza e o insumo para essa reforma. 

E isso, infelizmente, já começou no México com a reforma constitucional em matéria judicial, que tem como produto tóxico o sorteio realizado no Senado, que ipso facto determinou quais cargos judiciais estarão em uma tômbola em 2025 e 2027. 

Nos processos internos do Morena de seleção de candidatos a cargos eletivos, uma parte é escolhida mediante esse processo, de modo que, com frequência, pessoas que se registram para concorrer passivamente no processo acabam se tornando deputados, prefeitos ou senadores. Dessa forma, o profissionalismo político é descartado em favor da improvisação, o que tem um alto custo para as instituições. 

Morena comprou esse mecanismo de seleção do sistema judiciário boliviano, que é o único outro país latino-americano – e talvez ainda o único no mundo – que seleciona seus juízes, magistrados e ministros do tribunal constitucional por voto popular.

E isso provocou um intenso debate sobre os efeitos que esse sistema terá sobre a prestação da justiça. No entanto, a maioria qualificada de uma coalizão populista reduziu isso a um mero ruído legislativo.

Já existe um calendário com cada um dos prazos marcados até o início de setembro de 2025, quando os eleitos pelo voto direto tomarão posse em nível federal e estadual. 

E uma nova era se iniciará, não só para o Judiciário, mas também para a relação entre os poderes, pois a iniciativa que se tornou a Constituição e as leis regulamentares do Executivo e do Legislativo será, sem dúvida, um Poder sem poder próprio, pois estará atrelado aos demais poderes, o que é uma aberração em um sistema republicano de separação de poderes. 

Ademais, se agregarmos a essa reforma a política, que visa reduzir o número de deputados e senadores de representação proporcional com os quais sobrevivem as minorias políticas, estamos à beira da criação de um partido hegemônico que, como aconteceu com o PRI, pretende permanecer no poder indefinidamente com uma oposição testemunhal e irrelevante. 

Ou seja, estamos diante de um desenho constitucional e regulatório digno do que tecnicamente se classifica como ditabranda, que poderá muito em breve ameaçar as liberdades públicas em um contexto, aliás, propício, com a escalada da violência em regiões inteiras do país, exigindo a intervenção da temida manu militari

Cartéis poderosos, tão poderosos, se não mais, do que os que abalaram a vida pública na Colômbia e no Equador, sem terem ido tão longe em questões judiciais, dispararam alertas porque o crime organizado poderia investir dinheiro sujo, como fez em eleições ao longo de duas décadas, para a eleição de juízes, magistrados e ministros, gerando um lobby ad hoc a seu serviço. 

E apesar dos apelos nacionais e internacionais para neutralizar esse grande risco, seguem dando passos nessa direção de acordo com um calendário claramente estabelecido. Se não houver mudança nas leis regulatórias, teremos o sistema em operação até o último terço de 2025.

Em resumo, a tômbola legislativa é a espinha dorsal do que a presidenta Claudia Sheinbaum aceitou, ou seja, que o México está, sem dúvida alguma, em uma mudança de regime, um desmantelamento das instituições, não do antigo regime, porque elas já haviam sido desmanteladas ou alteradas durante o período de transição para a democracia, mas do antigo regime do PRI para um regime em que, depois de avançar como sociedade na construção de contrapesos institucionais, esses, pelo menos no curto prazo, não existirão mais.

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Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.

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