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Bolívia: os desafios do próximo governo de Rodrigo Paz

Após pôr fim a duas décadas de hegemonia do MAS, Rodrigo Paz assume a presidência da Bolívia com a legitimidade da mudança, mas diante do enorme desafio de governar sem uma estrutura partidária sólida.

O candidato de centro-esquerda do Partido Democrata Cristão (PDC), Rodrigo Paz, venceu com 54% dos votos, obtendo quase dez pontos de vantagem sobre seu rival, Jorge Tuto Quiroga. Essa vitória não só põe fim a duas décadas de hegemonia do Movimento ao Socialismo (MAS), liderado por Evo Morales, mas também confere uma sólida legitimidade à nova administração. No entanto, os desafios que se avizinham no âmbito político para o governo de Paz, que assumirá o cargo no próximo dia 9 de novembro, são consideráveis.

A primeira grande prova para Paz será a consolidação de sua base de poder no legislativo. A principal fraqueza reside no fato de que o Partido Democrata Cristão (PDC) funcionou como uma “barriga de aluguel”, uma estrutura instrumental sem raízes sociais ou nacionais que apoiasse a candidatura. Embora Paz tenha capitalizado o voto do “núcleo duro” do MAS em várias regiões, ele não herdou a estrutura partidária nem a capacidade de mobilização de seu antecessor. Essa fraqueza partidária gera dois pontos de atrito.

Na bancada do PDC poderiam emergir múltiplas facções, cada uma buscando cotas de poder. As tensões já evidentes entre Paz e seu companheiro de chapa, Edman Lara, durante a campanha podem se exacerbar, complicando a governança do Executivo e a gestão da Assembleia Legislativa Plurinacional (ALP).

Da mesma forma, Paz deverá negociar consensos com outros partidos. Embora conte com o apoio explícito da Unidad de Samuel Doria Medina, que se concretizou no segundo turno, as relações com o partido de Quiroga, o LIBRE, são mais tensas. Embora compartilhem afinidades ideológicas (economia de mercado, abertura externa, respeito às instituições), as sequelas da agressiva campanha eleitoral dificultarão uma possível aliança. A maioria simples na ALP está assegurada com a aliança de PDC com Unidad, mas para reformas de maior alcance, como uma eventual mudança constitucional, precisará se aproximar e chegar a um acordo com o LIBRE, que detém a chave dos dois terços.

Um segundo desafio crucial será a relação com os poderosos e decisivos movimentos sociais. O apoio dessas organizações à fórmula do PDC, embora tenha sido um fator determinante para sua vitória, não garante lealdade incondicional. Com um histórico notável de empoderamento político, essas organizações buscarão proteger seus privilégios e, se se sentirem desfavorecidas, poderão recorrer a mobilizações que ameacem a estabilidade social. Seu apoio será fundamental para legitimar qualquer ajuste econômico e social. O manejo das tensões com esses setores e a forma como o novo governo administrará o legado do “masismo” serão vitais para manter a estabilidade do país. Em muitos sentidos, essas são forças antissistema que podem bloquear o governo de Paz.

A capacidade do novo governo de empreender qualquer política econômica e social está condicionada à superação desses dois desafios políticos: precisa de um legislativo alinhado com o Executivo e de uma articulação eficaz com os movimentos sociais.

Uma vez resolvidos os obstáculos políticos, o próximo grande desafio é o econômico. Paz recebe um país em crise, com escassez de dólares, inflação e reservas internacionais em declínio. A eliminação dos subsídios aos combustíveis, uma medida crucial para a sustentabilidade fiscal, poderia provocar um grave descontentamento social. O precedente de 2010, quando Evo Morales teve que recuar em um ajuste similar devido à pressão dos movimentos sociais, ressalta a delicadeza dessa situação.

O dia 19 de outubro não só marcou o fim de uma era política, mas também abriu uma questão crucial: a Bolívia está caminhando para uma verdadeira transformação ou para uma continuação do modelo do MAS por outros meios?

A resposta a essa pergunta definirá a direção do país nos próximos anos. Se o novo governo de Rodrigo Paz optar pela primeira via, será indispensável abordar reformas estruturais que permitam fortalecer as instituições democráticas. Essas reformas incluiriam: reduzir o presidencialismo e criar um sistema de justiça livre da influência política.

Se, pelo contrário, o governo de Paz se concentrar apenas na solução dos problemas econômicos mais urgentes — como a inflação e a escassez de hidrocarbonetos —, ignorando suas causas profundas, o modelo do MAS poderá persistir. Esse modelo é caracterizado por uma economia de base estreita, sem industrialização significativa nem geração estável de empregos.

É provável que o MAS, agora sem maioria parlamentar, ofereça uma margem de manobra inicial ao novo governo. No entanto, o panorama político não estará completo até as eleições subnacionais do próximo ano. Só então será definida com maior clareza a nova correlação de forças no país. Por enquanto, a Bolívia dá seus primeiros passos fora do domínio hegemônico do MAS e da sombra de Morales.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

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Cientista político. Professor e pesquisador da Universidade San Francisco Xavier (Sucre, Bolívia). Doutor em Ciências Sociais com especialização em Estudos Políticos por FLACSO-Equador.

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