Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Do benefício privado ao custo coletivo: a exploração de recursos comuns na América Latina

A mudança climática, a maior externalidade negativa da história, atinge fortemente a América Latina: agrava a desigualdade, ameaça os bens comuns e exige uma ação coletiva urgente para evitar uma tragédia global.

s mudanças climáticas deixaram de ser uma ameaça distante para se tornar uma realidade que marca o cotidiano de todos. Na América Latina, os incêndios na Amazônia, as inundações na América Central e os furacões cada vez mais intensos no Caribe são sinais claros de um problema que se agrava ano após ano, enquanto o verão europeu registrou temperaturas recordes, superando os 46 °C na Espanha e em Portugal. Em 2025, a Amazônia perdeu centenas de milhares de hectares de floresta, um ecossistema vital não só para a região, mas também para o equilíbrio climático do planeta. A degradação desse pulmão verde evidencia que estamos diante de um recurso comum cuja destruição afeta toda a humanidade.

Ademais, os impactos das mudanças climáticas não são distribuídos de maneira equitativa. As populações mais vulneráveis são quem sofrem com maior intensidade suas consequências, justamente porque carecem de infraestrutura adequada, apoio estatal ou seguros que lhes permitam enfrentar os desastres. No México, comunidades rurais perdem colheitas inteiras durante secas prolongadas; no Peru, o recuo das geleiras compromete o abastecimento de água para milhões de pessoas; na América Central, as tempestades apagam em poucas horas os investimentos de anos. Nesse sentido, as mudanças climáticas não só destroem ecossistemas, mas também amplificam a desigualdade, aprofundando a pobreza e aumentando a diferença entre quem têm recursos para se adaptar e quem carece deles.

Recursos comuns e externalidades negativas

Para compreender essas dinâmicas, é útil lembrar os conceitos de recursos comuns e externalidades. A biosfera, que inclui a terra, os oceanos e a atmosfera, constitui talvez o principal recurso comum do qual depende a vida humana. O problema surge quando seu uso ocorre de forma desregulada: cada ator age em função de seu benefício imediato, mas o custo da destruição recai sobre a coletividade. Essa situação, descrita como “a tragédia dos recursos comuns”, é observada, por exemplo, de forma dramática na Amazônia, onde o desmatamento ilegal e a expansão agrícola beneficiam poucos no curto prazo, enquanto os custos ambientais e sociais são repartidos entre as comunidades locais, os países vizinhos e toda a humanidade.

A mudança climática pode ser entendida como a maior externalidade negativa da história. As emissões de gases de efeito estufa geradas por empresas e consumidores não se refletem no preço dos bens e serviços, distorcendo a eficiência do mercado. Essa desconexão entre benefício privado e custo social gera uma falha estrutural: os incentivos individuais levam a decisões que são coletivamente destrutivas. Assim, a exploração intensiva dos recursos naturais na Bolívia ou a dependência dos combustíveis fósseis no México e na Venezuela não afetam apenas esses países, mas têm impactos regionais e globais. O clima, a biodiversidade e a segurança alimentar são comprometidos por decisões que raramente consideram seu alcance real.

Nesse cenário, a intervenção pública e a solidez institucional são indispensáveis. Os recursos comuns precisam ser regulamentados para evitar sua deterioração, e as externalidades devem ser corrigidas por meio de políticas públicas eficazes. Em nível local, os municípios têm um papel fundamental na proteção de parques, corpos d’água e áreas naturais. Em nível nacional, os governos são chamados a impor impostos ambientais, controlar o desmatamento e promover incentivos às energias limpas. Mas as mudanças climáticas não reconhecem fronteiras e, por isso, a cooperação internacional se torna essencial. Instrumentos como a Agenda 2030 ou o Acordo de Paris não são meros compromissos simbólicos: eles representam a única maneira de coordenar esforços em um problema que nenhum país pode resolver sozinho.

Uma desigualdade estrutural

No entanto, a América Latina enfrenta condições particulares que complicam essa tarefa. A desigualdade econômica, a informalidade no trabalho e a corrupção limitam a capacidade de muitos governos de implementar políticas ambientais de longo prazo. Neste contexto, a justiça econômica torna-se inseparável da ação climática. Não basta falar de adaptação e mitigação se não se abordar ao mesmo tempo a reparação dos danos históricos que marcaram a região, desde a concentração de terras até a exploração de recursos naturais por interesses transnacionais. As comunidades indígenas, muitas vezes marginalizadas dos processos de decisão, são as que têm suportado grande parte dos custos ambientais e sociais. Reconhecer e reparar essas injustiças é parte essencial de qualquer estratégia climática séria.

Apesar da urgência, não faltam vozes que negam a gravidade das mudanças climáticas ou rejeitam a intervenção estatal. Essas posturas, comuns em setores políticos conservadores, não apenas desprezam as evidências científicas acumuladas, mas perpetuam um modelo de desenvolvimento baseado em benefícios imediatos às custas do bem comum. Negar a externalidade negativa das emissões de CO2 ou rejeitar acordos internacionais equivale a sustentar um egoísmo coletivo que coloca em risco a vida de milhões de pessoas e compromete o futuro do planeta.

Ainda assim, há experiências encorajadoras que mostram que a mudança é possível. A Costa Rica, por exemplo, conseguiu recuperar grandes extensões de floresta graças a políticas de conservação, incentivos econômicos e programas de educação ambiental. No Chile, a aposta em energias renováveis transformou a matriz energética e abriu oportunidades para um crescimento mais sustentável. Esses casos demonstram que, com vontade política e recursos suficientes, as instituições podem evitar a tragédia dos recursos comuns e converter externalidades negativas em oportunidades de desenvolvimento justo e equitativo.

A necessidade de um compromisso coletivo

O desafio, no entanto, exige pensar em termos regionais e globais. A Amazônia não pertence só aos países que a abrigam; sua importância para o clima mundial exige um compromisso coletivo. Os incêndios que devastam o Brasil ou a Bolívia alteram os padrões climáticos que repercutem em todo o continente. Da mesma forma, as emissões de um país afetam diretamente seus vizinhos. Nesse contexto, a cooperação internacional não pode se basear apenas na diplomacia, mas em princípios de justiça e equidade que garantam uma distribuição justa dos custos e benefícios da ação climática.

No fundo, as mudanças climáticas atuam como um espelho de nossas sociedades. Elas refletem as desigualdades, a concentração de poder e as falhas de governança, problemas que caracterizam muitos países da nossa região. Enfrentá-las implica reconhecer que os bens comuns não são infinitos e que as externalidades negativas têm um custo real que não pode continuar sendo ignorado. Significa também aceitar que a justiça econômica e a reparação histórica não são elementos secundários, mas pilares centrais de qualquer agenda ambiental séria.

A América Latina precisa, hoje mais do que nunca, fortalecer suas instituições, promover a cooperação regional e global e garantir políticas públicas que integrem os custos ambientais na tomada de decisões. A redistribuição justa dos benefícios é essencial para garantir que ninguém seja excluído do direito a um ambiente saudável. Negar essa realidade não é só um erro político: é um ataque ao futuro coletivo. Se a tragédia dos recursos comuns não for enfrentada com visão e solidariedade, corre-se o risco de se tornar uma tragédia para toda a humanidade.

A mudança climática não pode ser abordada como um luxo ou um gesto filantrópico. Na América Latina, enfrentá-la é uma necessidade vital para preservar a vida, reduzir as desigualdades e construir um futuro digno. A biosfera é um bem comum que requer ação coletiva para sua proteção. As falhas do mercado e as externalidades negativas são realidades urgentes, e a justiça econômica é uma condição ineludível para avançar em direção a sociedades resilientes. Ignorar essas lições ou ceder a interesses de curto prazo apenas nos condenará a repetir a tragédia dos recursos comuns em escala global, com consequências irreversíveis para o planeta e para as gerações futuras.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

Otros artículos del autor

Professor da Univ. Autônoma de Barcelona. Doutor em Economia pela Univ. de Barcelona. Mestre em Desenvolvimento pelo Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona (CIDOB). Especializado en economia internacional y economia urbana.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados