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O Grupo de Puebla e a reconciliação política na Bolívia

O Grupo de Puebla se equivoca ao acreditar que a crise do progressismo é uma questão de unidade. A crise tem dois fardos que a estão levando ao abismo: sua obsessão em se perpetuar no poder, e a corrupção e ineficiência do Estado.

Em 12 de março, três ex-presidentes e um vice-presidente tentaram o impossível: reconciliar Evo Morales com Luis Arce. Embora não tenhamos certeza, é provável que Evo e Lucho tenham se sentado à mesma mesa e compartilhado uma refeição saborosa, digna do hotel cinco estrelas que serviu de cenário para o encontro do Grupo de Puebla (uma organização que agrupa figuras notáveis da esquerda latino-americana e mundial), mas se negaram a iniciar ao menos uma breve conversa.

O fato curioso é que os ex-presidentes que tomaram a iniciativa têm um passado político que não os qualifica nem com espírito de reconciliação nem como respeitadores da lei e da Constituição. Em primeiro lugar, houve o ex-presidente argentino Alberto Fernández, que deixou um país não só em ruínas, produto da corrupção e da má gestão, mas também completamente dividido, a ponto de facilitar a chegada ao poder de um polarizador como Javier Milei. Havia também o ex-presidente colombiano Ernesto Samper, que apoiou a permanência indefinida de Morales no poder porque dizia tratar-se de uma “boa” reeleição. Por fim, havia o ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que apoiou militantemente o desejo de eternização no poder de vários presidentes latino-americanos em fóruns e entrevistas.

Cabe mencionar que também estava presente Delcy Rodríguez, da Venezuela, vice-presidente de Nicolás Maduro, que, em vez de negociar ou falar com seus oponentes, prefere prendê-los para facilitar um novo mandato presidencial.

Essa tentativa urgente de reaproximação entre Evo e Lucho ocorre porque todas as luzes vermelhas do progressismo internacional foram acesas como resultado dos partidos de direita já varreram vários partidos de esquerda, como o correísmo no Equador e o peronismo na Argentina, e não há sinal de que essa sangria vá parar. 

No Chile, o esquerdista Gabriel Boric tem uma gestão tão deficiente (35% de popularidade) que se prevê um futuro governo de direita. No Equador, o atual presidente Daniel Noboa (empresário e neoliberal) tem um índice de popularidade de cerca de 80% devido às suas medidas anticrime. No Brasil, apesar da desqualificação de oito anos de Bolsonaro para concorrer às eleições, sua popular esposa, Michelle de Paula Firmo, cujo conservadorismo faz com que o ex-presidente do Brasil pareça um cordeiro bíblico ao seu lado, assumiu as rédeas de seu partido.

Mas isso não é tudo. Hoje, em maior ou menor grau, o risco de um aumento na insegurança pública devido à penetração do narcotráfico está pairando sobre todos os países latino-americanos. Isso coloca a “solução Bukele” como ótima não só para parar a violência nas ruas, mas também de ganhar votos de partidos de direita que veem o presidente salvadorenho como um exemplo a ser seguido.

Os membros do Grupo de Puebla (GP) pensam que essa onda de governos de direita pode chegar à Bolívia, tirando o MAS do poder e colocando um político de direita na presidência, o que, sem dúvida, remodelaria ainda mais o cenário político da América Latina e colocaria em questão os equilíbrios geopolíticos.

No caso da Bolívia, essas preocupações são equivocadas. Por um lado, a oposição está fragmentada: no legislativo, Creemos e Comunidad Ciudadana sofrem com problemas internos, estão divididos e não têm um rumo claro; e, por outro lado, o departamento de Santa Cruz, que sempre foi um bastião contrário ao MAS, hoje não tem rumo e nem líder claro para continuar essa tradição.

De todo modo, os membros do GP se equivocam se acreditarem que a crise do progressismo é apenas uma mera questão de unidade e que por em concordância os divididos será suficiente. Não percebem, ou não querem perceber, que a crise tem dois fardos que a estão levando ao abismo: sua obsessão em se perpetuar no poder (precisamente o que Zapatero e Samper aplaudem ruidosamente) e a corrupção e ineficiência do Estado.

O Grupo de Puebla nasceu para fazer a esquerda perdurar em nosso continente. Afirma defender a democracia e seus valores, mas apoia líderes autoritários e faz vista grossa quando as normas democráticas são violadas. O que nosso país precisa não é que Evo Morales e Luis Arce se reconciliem; seria mais louvável e produtivo que os líderes do GP os fizessem entender que a democracia não pode ser construída sobre as ruínas das instituições, da Constituição e dos direitos civis.

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Cientista político. Professor e pesquisador da Universidade San Francisco Xavier (Sucre, Bolívia). Doutor em Ciências Sociais com especialização em Estudos Políticos por FLACSO-Equador.

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