Há milhões de anos, um meteorito eliminou 75% das espécies do planeta, inclusive os dinossauros. Hoje estamos em meio a outra extinção massiva, mas desta vez o meteorito somos nós: os humanos.
Uma extinção massiva ocorre quando um grande número de espécies de diferentes reinos desaparece em várias regiões em um curto período geológico. Atualmente, a taxa de extinção é mil vezes maior do que seria sem a intervenção humana.
Quando pensamos em espécies em perigo, logo visualizamos ursos polares, jaguares ou baleias. Mas será que pensamos em plantas? Provavelmente não, e isso tem um nome: “cegueira vegetal”. Essa incapacidade de ver e se conectar emocionalmente com as plantas – elas não são peludas e não nos olham com olhos bonitos – nos faz ignorar o fato de que quase duas vezes mais espécies de plantas já desapareceram do que mamíferos ou aves. É hora de mudar a narrativa e reconhecer os “ursos polares” do reino vegetal, antes que seja tarde demais.
Os serviços essenciais das plantas que passam despercebidos
Por que devemos nos preocupar? Simples: imagine um mundo sem chocolate ou café. Imagine uma festa sem tequila ou rum. Pense em uma paisagem sem plantas. Ou sem música! Sim, o material de que são feitos os violões, as guitarras, as maracas e os tambores vem das plantas. Imagine ficar sem comida ou, mais seriamente, sem oxigênio. Tudo isso seria um mundo sem plantas. E muitas delas, como o cacau, já estão em risco devido às mudanças climáticas e ao desmatamento.
Essa tormenta de extinção não só ameaça acabar com os alimentos e produtos que valorizamos, como o chocolate ou o café, mas também levará à homogeneização da flora mundial. Isso resultará na perda de ecossistemas e dos serviços essenciais que eles nos proporcionam.
As plantas, muitas vezes despercebidas, nos fornecem uma vasta gama de serviços. As florestas de mangue, por exemplo, nos protegem de furacões e tempestades. As árvores das florestas absorvem a água do solo e a transpiram como vapor; liberam milhares de litros diários, criando os chamados “rios voadores” que transportam a água necessária para chover em nossas plantações, lagos e reservatórios. Além disso, as flores sustentam comunidades de polinizadores, sem as quais não poderíamos produzir as frutas e os vegetais que comemos. As raízes das plantas retêm o solo, reduzindo a erosão, e suas folhas fornecem sombra e absorvem CO2 da atmosfera, regulando o clima.
Na verdade, só conhecemos a ponta do iceberg porque só temos uma boa compreensão das espécies que usamos, e elas representam apenas um oitavo das aproximadamente 400.000 espécies de plantas que foram descobertas. Isso sem mencionar as espécies que ainda não descobrimos e que estão vivendo no silêncio das florestas, talvez desaparecendo antes que as conheçamos. Alguns cientistas estimam que pode haver até 100.000 espécies ainda a serem descobertas. Algumas podem ter o potencial de curar o câncer ou até mesmo ser a chave para a sobrevivência em outros planetas, mas corremos o risco de perdê-las sem nem mesmo saber.
A Lista Vermelha da UICN: um barômetro da biodiversidade
Saber quantas estão extintas ou em perigo de extinção é um desafio monumental. Muitas espécies foram coletadas apenas algumas vezes; estão em herbários e, portanto, sabemos que existem. Mas sabemos pouco sobre sua situação na natureza, sua vulnerabilidade às mudanças climáticas ou a situação de outras espécies das quais elas dependem. Neste momento, uma retroescavadeira pode estar destruindo os últimos indivíduos de uma espécie vegetal única. É uma corrida contra o relógio.
É aí que entra a Lista Vermelha da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), que funciona como um barômetro da biodiversidade. Assim como um barômetro mede as mudanças na pressão atmosférica para prever tempestades, essa lista mede o status das espécies do planeta, alertando-nos quando a pressão de extinção está aumentando. Até o momento, entretanto, apenas cerca de 71.000 das quase 400.000 espécies de plantas do planeta foram avaliadas. Em outras palavras, apenas 18% foram avaliadas! Desse grupo muito pequeno de plantas avaliadas, cerca de 27.000, ou 38%, estão sob alguma categoria de ameaça (Figura 1). Em outras palavras, o barômetro nos diz que já estamos no meio da tempestade.
O funcionamento dos ecossistemas depende da interação de muitas espécies. A perda de algumas pode desencadear extinções em cadeia se outras plantas ou animais dependerem delas. Tentar salvar apenas uma espécie, ou algumas, é como tentar salvar um paciente cuidando apenas do coração e dos rins, mas deixando o fígado e os pulmões morrerem. Em longo prazo, essa estratégia não funcionará.
O cocobolo: uma espécie à beira da extinção devido à superexploração e ao tráfico ilegal
Na América Latina, apenas uma pequena fração da flora foi avaliada. Em países como Argentina e Chile, menos de 10%; na maioria dos países, menos de 25%. Mesmo assim, vários países têm mais de 1.000 espécies ameaçadas (Figura 3). É imperativo acelerar os estudos para descobrir quais outras espécies estão ameaçadas de extinção.
Um exemplo na região é o cocobolo (Dalbergia retusa), cuja madeira granulada e de cor avermelhada tem sido usada para fazer móveis finos, artesanato e até instrumentos musicais (Figura 2). Devido à alta demanda por sua valiosa madeira – uma árvore pode render até US$ 10.000 – o cocobolo tem sido intensamente explorado. Além disso, a expansão da agricultura e da pecuária reduziu significativamente seu habitat, a floresta seca. Estima-se que mais de 80% das populações de cocobolo tenham sido perdidas. Se não tomarmos medidas urgentes, essa espécie poderá desaparecer.
Em um esforço para evitar a exploração excessiva do cocobolo, essa espécie foi listada como em perigo crítico de extinção na Lista Vermelha da UICN e protegida pelo Apêndice II da CITES, que regulamenta o comércio. Isso significa que é necessária uma autorização especial para exportar sua madeira. Entretanto, a extração e o comércio ilegais continuam a ameaçá-la. No Panamá, por exemplo, existem redes criminosas dedicadas ao seu tráfico. Somente entre 2020 e 2022, cerca de 3.000 tucas (pedaços de madeira) de cocobolo foram apreendidas, em 2023, 300, e há alguns meses, 4 contêineres de madeira ilegal. Quem sabe quantas árvores mais estão sendo traficadas sem serem detectadas. Está claro que as florestas de cocobolo continuam sendo esvaziadas.
Salvemos os “ursos polares verdes” antes que seja tarde demais
Diante da crise de extinção que estamos enfrentando, está claro que precisamos de uma combinação de estratégias para garantir a preservação a longo prazo dos nossos “ursos polares verdes”. No caso de espécies de uso comercial, é essencial regulamentar sua exploração e comercialização. Para as espécies que não conhecemos ou usamos, a pesquisa científica é urgente. Os botânicos devem explorar áreas pouco estudadas para registrar ou descobrir espécies que ainda não conhecemos e contribuir para o censo das que já conhecemos. O Estado deve protegê-las. Os ecologistas devem estudar suas necessidades e relações com outras espécies para entender como conservá-las.
A preservação de espécies em jardins botânicos e bancos de sementes, nossas “arcas de Noé”, é fundamental para restaurá-las caso desapareçam. Sem educação, pesquisa e apoio da comunidade e do governo, não conseguiremos reverter a extinção. Está em nossas mãos decidir se continuaremos sendo o meteorito ou se nos tornaremos os guardiões da biodiversidade.
*Texto produzido em conjunto com o Instituto Interamericano de Pesquisa sobre Mudanças Globais (IAI). As opiniões expressas nesta publicação são dos autores e não necessariamente das suas organizações.
Autor
Doctora en Ecología. Científica de Coiba AIP, Investigadora Asociada del Instituto Smithsonian de Investigaciones Tropicales e Investigadora II del Sistema Nacional de Investigación (SNI) de Panamá.