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Transição energética e restrição externa: para onde caminha a região?

Nossas sociedades devem enfrentar as mudanças climáticas em um contexto de grande incerteza: o momento em que ocorrerá um colapso e romperá o equilíbrio do ecossistema em questão.

Vivemos tempos difíceis, conjunturas marcantes. A humanidade cruzou seis dos nove limites do planeta. O agravamento da emergência climática provoca eventos extremos cada vez mais fortes, exigindo maiores investimentos em adaptação. Essa urgência induz os governos a lançar novos projetos de energia renovável, um investimento em mitigação que reduz a voracidade do risco climático. Entretanto, avançar na transição para uma matriz energética renovável gera um impacto financeiro que nem sempre é medido corretamente. Os riscos climáticos já impactam o setor financeiro, tanto no presente imediato (custos gerados por desastres naturais) quanto no médio prazo (custos associados a ativos irrecuperáveis).

Mas o presente não requer só grandes investimentos; também impõe novos desafios, com repercussões de curto, médio e longo prazo. Embora isso inclua diversas questões, a análise aqui se concentra na inter-relação entre mudanças climáticas, o modelo de desenvolvimento e a restrição externa.

A restrição externa está relacionada a uma visão de desenvolvimento centrada na demanda, associada a uma visão estruturalista e pós-keynesiana, destacando o papel das dinâmicas de exportação e importação no desenvolvimento econômico de longo prazo. A balança comercial apresenta ciclos recorrentes, porque os produtos exportados da região apresentam baixos níveis de elasticidade, enquanto as importações são associadas a bens de alta elasticidade e aumentam ao menor sinal de recuperação. A falta de divisas é uma constante em nossa história como região, o que levou muitos governos a estimular o processo de industrialização por substituição em meados do século passado. Já nos anos 1970, a ideia era evitar a escassez através da abertura financeira, fomentar a entrada de capital estrangeiro, experiências que sempre terminaram em crise e novo endividamento.

Considerando a dinâmica das exportações, nos últimos anos, os recursos naturais dominaram as vendas externas da região. Enquanto a região da Ásia-Pacífico avançava para uma maior diversificação produtiva, os projetos extrativistas acabam induzindo uma economia de enclave na América do Sul. Extraímos lítio e cobre, compramos baterias e telefones celulares, mas também vendemos petróleo e importamos painéis solares. Tal padrão de comércio acaba impulsionando um determinado padrão de investimento, fundos que chegam em busca das vantagens competitivas oferecidas pela região.

Voltemos nossa atenção aos fluxos de comércio-investimento em energia. As vantagens associadas à presença de reservas de petróleo são propostas, as janelas são abertas e a chegada de investidores é incentivada. Não só lhes oferecem incentivos fiscais e cambiais; em nome da segurança jurídica, promete-se estabilidade ao setor petrolífero, o que os blinda de qualquer projeto de transição energética. 

Mas, diferente do observado com outros recursos, nenhum dos países da região consegue competir com os grandes atores do setor petrolífero. Em outras palavras, não temos as vantagens comparativas que países como a Arábia Saudita têm. Isso não deve ser ignorado, sobretudo quando vários âmbitos nos alertam sobre a proximidade do pico do petróleo. Mesmo que a queda na demanda não seja imediata, o que pode ser abrupto é a queda no valor dos ativos: quando o pico da demanda estiver próximo, os investidores venderão suas ações de petróleo. Atitudes como essa aceleram a saída de capital, o que aumenta a restrição externa – além das eventuais ações judiciais que o setor pode vir a mover devido à alteração de sua equação econômico-financeira causada pelo surgimento de um ativo ocioso.

Por outro lado, incentivar a entrada de investidores no setor de petróleo é certamente um erro na perspectiva de longo prazo. Em termos de tecnologia, são as energias renováveis que prometem as maiores inovações; é o setor disruptivo. É daí que virão as receitas futuras, que são fundamentais para garantir um processo de desenvolvimento inclusivo e sustentável. Inexoravelmente, a descarbonização avança em distintos cantos do mundo; se nada for feito (ou se o modelo do petróleo persistir), mais cedo ou mais tarde isso afetará o esquema produtivo e a inserção externa da região. Prosseguir com os projetos petrolíferos implica instaurar um caminho errado de desenvolvimento, um bloqueio tecnológico que condena o país ao passado.

Apesar disso, alguns economistas seguem pensando na demanda agregada com incidência conjuntural que as decisões de hoje não influenciam nas ações de amanhã. O aprofundamento do modelo extrativista pode, no curto prazo, levar a uma sobrevalorização da taxa de câmbio, a tão falada “doença holandesa”, com graves consequências na estrutura produtiva. Essa resolução (temporária) da restrição externa bloqueia o surgimento de projetos verdes, bem como o investimento em energias renováveis; o país se torna um “paraíso da poluição”. Portanto, qualquer política que evite a supervalorização da moeda nacional é bem-vinda, sobretudo aquelas que induzem à mudança estrutural, como uma política de industrialização verde.

As inovações verdes induzem processos de inovação aberta e promovem um trabalho em rede. De uma perspectiva macro, avançar com a transição energética implica reduzir a incerteza que caracteriza o mercado de petróleo, fortemente afetado por tensões geopolíticas e especulação financeira.

Essa transformação produtiva, por outro lado, vincula as urgências do presente com as restrições de longo prazo. Avançar à “industrialização verde” implica oferecer produtos com alta elasticidade, que geram renda e ajudam a resolver a restrição externa. A descarbonização da matriz de produção não só transforma a cesta de exportação, mas também protege o meio ambiente.

A urgência da crise climática nos conecta com esse último cenário: os limites do planeta nos obrigam a mudar de modelo produtivo tanto quanto a abandonar padrões de consumo. Certos fatores não podem ser substituídos e, em tempos de emergência climática, o conceito de sustentabilidade rígida prevalece. A economia deve reconhecer a restrição imposta pela natureza. Isso requer menos pressão sobre o meio ambiente, mas também a avançar para processos produtivos com tecnologias, produtos e serviços que reduzam o risco ambiental e minimizem o uso de recursos. É imperativo avançar para uma “economia verde”, para novos padrões de consumo e produção. Essa mudança implica um novo enfoque de desenvolvimento, uma mudança estrutural verde, inclusiva e sustentável.

Um comentário final sobre a inter-relação acima. Nossas sociedades devem enfrentar as mudanças climáticas em um contexto de grande incerteza: o momento em que ocorrerá um colapso e romperá o equilíbrio do ecossistema em questão (derretimento das calotas polares, desertificação da Amazônia, perda do permafrost) é desconhecido. Para evitar essa ocorrência, é preciso agir, investir em projetos de mitigação. O fato de isso não acontecer, de os projetos de petróleo continuarem a ser incentivados, é explicado tanto pelas ambições desenfreadas da classe empresarial quanto pela falta de visão da classe dominante. Em resumo: ganância e poder.

Autor

Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Estado e da Sociedade -CEDES (Buenos Aires). Autor de "Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.

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