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Lula e o desafio de governar para 215 milhões de brasileiros

Inaugurando 2023, a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como novo presidente do Brasil foi marcada por vários símbolos, como a entrega da faixa presidencial por representantes do povo, após a recusa de Bolsonaro e sua saída do país para os Estados Unidos. Aos 77 anos, o histórico líder sindical e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) retorna pela terceira vez à presidência do Brasil, após o fim do governo de Jair Bolsonaro, caracterizado por práticas autoritárias, a exaltação da ditadura militar e significativos retrocessos econômicos e sociais.

Lula venceu as eleições com mais de 60 milhões de votos, o equivalente a 50,9% dos votos válidos. Embora a diferença entre os dois tenha sido de apenas dois milhões de votos, o processo eleitoral foi marcado por dificuldades e ameaças do ex-presidente Bolsonaro e seus apoiadores.

Em um contexto de polarização e violência política, as tentativas de afetar o resultado das eleições incluíram ações como compra de votos e apoio político em larga escala em troca de recursos; críticas à transparência do sistema eleitoral; ameaças de golpe de Estado; e bloqueios e controles ilegais nas rodovias do país pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Estas últimas ações, realizadas no dia das eleições, visavam atrasar ou impedir os eleitores de votar, especialmente no Nordeste, onde vive a maioria dos apoiadores do PT.

Além disso, após o anúncio dos resultados das eleições, os bolsonaristas – muitas vezes apoiados pela polícia e militares – têm protestado contra a vitória de Lula, bloqueando as estradas e se reunindo em frente aos quartéis para pedir intervenção militar.

No entanto, a vitória de Lula foi o resultado da formação da maior frente ampla da história contemporânea do país e representa o triunfo da democracia diante da maior ameaça de regressão autoritária no Brasil desde 1985. Seu retorno ao poder é também a história de resiliência e superação de um líder político impedido de participar das eleições de 2018, condenado pela Operação Lava Jato, em processos dos quais foi posteriormente absolvido por falta de provas.

Em 1º de janeiro, apesar do clima tenso e das ameaças de bomba na capital, Lula optou por desfilar no carro presidencial ao lado do Vice-Presidente Geraldo Alckmin e suas respectivas consortes. Em seu discurso de posse, sem renunciar às críticas à administração de Bolsonaro e à necessidade de julgar os erros e supostos crimes cometidos, o novo presidente assumiu um tom otimista e conciliador. Ele afirmou que seu governo terá a tarefa de unificar, pacificar e reconstruir o Brasil. Lula também disse que irá governar para os 215 milhões de brasileiros e que procurará consolidar a democracia e promover um modelo de desenvolvimento sustentável que priorize a justiça social, a luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade.

Na frente econômica, o novo presidente anunciou seu desejo de reativar a economia, promover a industrialização e reduzir a dependência do país, fortalecendo setores produtivos tradicionais e áreas normalmente negligenciadas, tais como ciência, cultura e meio ambiente.

No que diz respeito às relações internacionais, Lula afirmou que o Brasil está de volta e que procurará promover o protagonismo internacional do país, juntamente com a agenda ambiental e climática, o diálogo ativo e altivo com os Estados Unidos, a União Europeia, a China, os BRICS e outros atores, assim como através da cooperação e da promoção da integração regional através do Mercosul e da reativação de blocos como a Unasul.

O Gabinete de 37 ministros anunciado por Lula é um reflexo de seu programa político e da diversidade do país que ele procura representar. Incluirá 11 ministras, quase 30% das pastas ocupadas por mulheres, um recorde na história da República e um passo importante para um país que ocupa o 108º lugar no Índice de Empoderamento Político do Relatório Global de Desigualdade de Gênero.

Entre os nomes escolhidos estão Marina Silva, ecologista e ministra do meio ambiente e das mudanças climáticas; Simone Tebet, antiga rival de Lula nas eleições de 2022 e atual ministra do planejamento; assim como Anielle Franco, ministra da igualdade racial e irmã de Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018 por pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e sua família.

Em um país que tem quase 700.000 mortes por Covid-19 e que até recentemente era governado por posições anticientíficas, a eleição de Nísia Trindade, atual presidenta da Fundação Oswaldo Cruz, para chefiar o Ministério da Saúde também é uma boa notícia.

A fim de enfrentar os graves problemas de desigualdade, representação e discriminação do Brasil, o novo governo também terá cinco ministérios chefiados por afrodescendentes. E, de forma inédita, o primeiro Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara, política e líder indígena, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Existe, entretanto, uma grande distância entre a teoria e a prática. O país e o mundo de hoje são diferentes e mais complexos do que o cenário que Lula encontrou em seu primeiro mandato. O legado de erros, extremismo e exclusão deixado por Bolsonaro também torna as promessas de Lula difíceis de serem cumpridas. O relatório do Gabinete de transição mostra um processo de desmantelamento do Estado e das políticas públicas do país, com severos reveses em áreas como saúde, educação, meio ambiente, emprego, igualdade racial e de gênero.

Vale ressaltar que o Brasil entrou novamente no mapa da fome e que hoje mais de 33 milhões de brasileiros sofrem com este flagelo e mais de 125 milhões, ou seja, mais da metade da população, vivem com algum grau de insegurança alimentar. Além disso, a economia está em crise e a oposição, que tem maioria no Congresso, irá governar 13 dos 27 estados da União.

Mesmo nestas condições, devido ao pragmatismo da política e à necessidade de reconstruir o país, há espaço para a esperança. De agora em diante, o Brasil desempenhará um papel fundamental no fortalecimento do multilateralismo e na solução de problemas globais urgentes como a crise ambiental e climática. No âmbito regional também terá um papel essencial na promoção da cooperação, da democratização e da integração na América Latina. Esperemos que tenha sucesso.

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Cientista política. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UNIRIO. Doutora em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri.

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