Certos grupos da extrema direita peruana parecem não se importar com o número de mortes nas ruas após o início dos protestos em 7 de dezembro. Ao contrário destes, na eclosão social do Chile em 2019, os grupos parlamentares conservadores cederam em um mês, após a violência exercida pelas forças de ordem. Em 15 de novembro de 2019 e com um saldo de 20 mortos, o Presidente Sebastián Piñera anunciou oficialmente que seria realizada uma consulta cidadã. A pressão da sociedade civil, dos órgãos institucionais e do próprio aparato produtivo contribuíram para esta decisão, e o objetivo era abandonar a estratégia violenta implementada pelo governo e pelas forças policiais. A eclosão peruana já dura dois meses, com um saldo de mais de 60 mortos e, ainda assim, as forças conservadoras não demonstraram interesse no diálogo.
A aprovação da antecipação das eleições no Peru tem sido insuficiente para acalmar os ânimos. O pedido para “fechar o congresso” por parte de cidadãos mobilizados, que não é uma questão literal ou abertamente antidemocrática para impor um regime autoritário, busca pôr fim às constantes manobras antidemocráticas do Congresso, que inclui desmantelar as entidades eleitorais, assim como pôr fim ao discurso racista e violento contra as massas populares.
Os parlamentares de direita parecem pouco se importar em parecer incivilizados frente à comunidade internacional após as flagrantes violações dos direitos humanos. Inclusive, estão dispostos a sacrificar a própria democracia para se salvarem. O pedido de renúncia de Dina Boluarte é outra exigência das mobilizações, após a traição da presidente, que antes era uma defensora da assembleia constituinte e agora passou a reprimir violentamente os manifestantes.
Se nas ruas pedem uma mudança de Constituição, por que não permitir uma consulta aos cidadãos para decidir se concordam ou não? A Constituição chilena não permitiu uma consulta para sua substituição, mas esta prerrogativa foi aprovada de forma urgente pelo Congresso. Os problemas de caráter jurídico podem ser superados. Entretanto, a direita parlamentar peruana acredita estar em uma posição vantajosa após a queda de Pedro Castillo, mas sua intransigência pode acabar por arrastá-lo para um exílio temporário.
Uma diferença substancial com o caso chileno é que a presidente Dina Boluarte se encontra em uma posição de debilidade e, como resposta, se aliou à estratégia dos parlamentares de direita, em uma atitude beligerante e desnecessária. No fim das contas, tem pouco a perder, pois não tem partido. Mas se enviasse um projeto de lei para uma consulta popular poderia ganhar muito, pois atenuaria sua posição autoritária para se impor diante a violência dos grupos de direita no Congresso. Com isso, também conseguiria aliviar o ambiente político.
Por outro lado, o desafio dos protestos, que em sua maioria foi liderado por cidadãos das regiões mais distantes do país e que estão dispostos a estabelecer um novo pacto político, é sua intensidade e permanência ao longo do tempo. Trata-se de mobilizações jamais vistas e que foram recebidas com declarações abertas de racismo pelas instituições.
Em resposta, se articula a necessidade de promover uma “grande marcha” peruana mas, dada as circunstâncias, parece que também não será suficiente. Entretanto, ocupar o espaço público, principalmente na capital, como praças e avenidas, é relevante e se traduziu recentemente na conquista estratégica dos diferentes movimentos contra a arrogância do primeiro-ministro Alberto Otárola, que havia dito previamente que evitaria a entrada dos protestos na capital.
No entanto, o maior medo da direita peruana não é o desconforto dos protestos quando passam pelas ruas da capital, mas o risco de asfixiar o circuito econômico da capital e do país. Se o bloqueio do principal aeroporto da capital e do porto de Callao, assim como as diversas entradas das estradas em diferentes trechos da rodovia começarem a ter efeito, os custos da repressão serão muito mais altos do que os custos da tolerância.
Autor
Cientista político. Professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás, (Brasil) Doutor em Sociologia pela Univ. de Brasília (UnB). Pós-doutorado na Univ. de LUISS (Italia). Especializado em estudos comparativos sobre a América Latina.