Apesar de no início do século XXI a grande maioria dos países da região darem um giro à esquerda, na Colômbia foi somente quase duas décadas depois que Gustavo Petro foi eleito como o primeiro presidente de esquerda na história do país. Petro prometeu fazer reformas amplas em diversas áreas, como reforma política, trabalhista, nas pensões, na saúde e na educação. No entanto, os obstáculos que enfrentou durante seu primeiro ano no cargo não foram poucos.
A vitória de Petro não foi esmagadora, já que obteve 50,44% dos votos frente aos 47,31% de seu oponente, o candidato outsider e polêmico Rodolfo Hernández. Igualmente, as eleições legislativas não deram uma maioria considerável ao partido do governo, Pacto Histórico, pois os partidos opositores, como o Centro Democrático, mantiveram várias cadeiras no Congresso. Isso forçou o governo a formar coalizões com partidos tradicionais, como o Partido Liberal e o Partido U, e inclusive com o Partido Conservador, em troca de favores políticos.
Diferente dos governos de direita, as coalizões de governos progressistas tendem a ser frágeis e a responder a objetivos muito específicos e conjunturais, o que leva a crises de governabilidade, como aconteceu com Dilma Rousseff no Brasil ou Fernando Lugo no Paraguai. No caso de Petro, a coalizão com os partidos tradicionais entrou em crise em abril de 2023, devido a diferenças na reforma da saúde, o que também levou à primeira mudança de gabinete e à saída de alguns ministros respaldados por partidos tradicionais.
A primeira que fracassou em março foi a reforma política, que pretendia mudar o sistema eleitoral colombiano, mas que foi perdendo apoio ao longo dos debates e terminou se distanciando da proposta original. A reforma trabalhista fracassou em junho, enquanto na nova legislatura que começou em julho, a reforma da saúde, que se tornou uma das principais propostas do governo, continua, embora tenha dificuldades para ser aprovada pela falta de apoio legislativo. Do mesmo modo, a reforma da previdência está em trâmite no Congresso e está sendo criticada por grandes associações de comerciantes e empresários.
O governo enfrenta um grande desafio para negociar com líderes dos partidos e congressistas de outras forças políticas para avançar com várias das reformas propostas. Na prática, elas não poderão ser tão profundas e amplas, e devem ser acordadas com vários setores políticos, o que pode acabar reduzindo seu alcance.
Por outro lado, é importante considerar que o governo de Petro, além da oposição legislativa, está sob maior escrutínio da mídia tradicional, que historicamente tem sido aliada das elites políticas e econômicas do país. Na verdade, a oposição da mídia a Petro remonta de quando era prefeito de Bogotá. Exemplos dessa oposição midiática são a ampla cobertura dada às crises do atual governo e as insistentes denúncias das ações de seus funcionários, o que não ocorreu nos governos anteriores, por exemplo, com os casos de abuso do uso da força durante as mobilizações sociais no governo de Iván Duque.
Uma terceira frente é a oposição de órgãos de controle, como o Gabinete do Procurador-Geral, liderada por Francisco Barbosa, que foi conselheiro presidencial para direitos humanos e assuntos internacionais durante o governo de Duque, bem como a Procuradoria Geral, chefiada por Margarita Cabello, ex-ministra da Justiça no governo anterior. No caso do Gabinete, é notável a celeridade com que atua neste governo diante de escândalos das chamadas “chuzadas” ou interceptações ilegais, que envolveram a então chefe de gabinete, Laura Sarabia, e o ex-embaixador da Venezuela, Armando Benedetti. Do mesmo modo, o Gabinete avançou rapidamente com a investigação contra Nicolás Petro, filho do presidente. Nicolás Petro aceitou a entrada de dinheiro ilícito na campanha, cujos limites superaram o permitido por lei.
No entanto, houve pouco avanço em investigações como a da Odebrecht, pois há apenas alguns meses Óscar Iván Zuluaga, candidato à presidência do uribismo em 2014 e ex-presidente do Centro Democrático, foi acusado pela Procuradoria Geral por receber financiamento estrangeiro para sua campanha, apesar da legislação colombiana proibir isso.
Assim, tanto a oposição legislativa e midiática quanto o maior controle de órgãos públicos colocaram o novo governo em clara desvantagem para realizar as reformas que prometeu na campanha.
Entretanto, há políticas em que há maior margem de manobra por ter o menor poder de veto da oposição. Por exemplo, a Paz Total, que foi proclamada como lei a poucos meses após a posse do governo e que teve avanços recentes com o cessar-fogo com o Exército de Libertação Nacional, um grupo armado com o qual os governos anteriores tiveram poucos avanços nos processos de negociação. No entanto, com outros grupos, como o Clan del Golfo, houve poucos avanços e as negociações chegaram a ser paralisadas.
Em matéria de política externa, também houve maior margem de manobra, com conquistas importantes, como o restabelecimento das relações com a Venezuela após quatro anos de ruptura. Igualmente, na esfera ambiental, o governo transcendeu o perfil discreto que caracterizava a política externa colombiana, buscando uma liderança em espaços regionais e globais.
Em conclusão, tem sido um grande desafio para o governo de Petro sair do discurso de ativismo político, que o colocou no papel de opositor, e passar ao papel de governante. Partindo de uma visão mais pessimista, esse primeiro ano mostrou a dificuldade para os governos de esquerda governar e avançar em suas reformas, o que os coloca mais no papel de administradores das funções do Estado do que de protagonistas de grandes transformações sociais. De uma visão mais otimista, pode-se dizer que esse foi um ano de aprendizado que demonstrou a fragilidade das coalizões políticas com partidos e líderes tradicionais, o que permitiu que Petro chegasse ao poder, mas que, ao mesmo tempo, foi uma fonte de crise. De qualquer forma, os três anos restantes representam um grande desafio que exige uma ampla capacidade de negociação com diferentes forças políticas.
Autor
Professor da Escola Superior de Administração Pública - ESAP (Bogotá). Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).