Sabemos que as desigualdades econômicas e sociais na América Latina são as mais altas do mundo. E essas desigualdades não são só uma marca registrada da região, mas também têm prejudicado seu próprio desenvolvimento. Essas desigualdades são caracterizadas cada vez mais por altos níveis de concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos. Diante dessa situação trágica, o que os governos latino-americanos estão fazendo?
Na grande maioria dos países da América Latina, 10% da população com maior renda capturam cerca de metade ou mais da renda nacional, segundo dados da base mundial de desigualdade (World Inequality Database) do World Inequality Lab, iniciativa conjunta da Paris School of Economics e da Universidade de Berkeley. No Brasil, a cifra é de 56,8%, no Peru, 57%, e na Colômbia, 60%, enquanto na maioria dos países desenvolvidos ela fica em torno de um terço. Com a riqueza acontece algo similar ou ainda pior: 10% da população mais rica captura mais de 60% da riqueza nacional e, em alguns países, como o Brasil, cerca de 80%.
Ainda mais notável é que o 1% mais rico da população concentrava, em 2022, quase 43,5 de cada 100 dólares da riqueza total, segundo o recente relatório EconoNuestra da Oxfam International, enquanto a metade mais pobre deve se contentar com só 0,8 de cada 100 dólares. Ou seja, os mais ricos acumulam 55 vezes mais riqueza do que a metade mais pobre da população. Enquanto isso, 183 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza na América Latina.
A limitada capacidade redistributiva dos governos latino-americanos
Uma razão fundamental pela qual a desigualdade continua alta é a ineficácia dos governos latino-americanos para redistribuir riqueza. Há várias coisas que um estado pode fazer para reduzir a desigualdade, começando por oferecer a todos os seus cidadãos oportunidades de educação, saúde, emprego e criação de empresas. O marco legal, começando pela legislação trabalhista (incluindo salários mínimos), também tem um papel crucial. Porém, mais a curto prazo, os Estados redistribuem a partir de impostos (a priori mais altos para os mais ricos) e transferências diretas (a priori para os mais pobres). Na América Latina, esses sistemas, incluindo tributação e gastos sociais, ainda são deficientes.
Para avaliar a capacidade redistributiva direta de um estado, os economistas comparam a desigualdade antes e depois da intervenção estatal. Ou seja, a desigualdade antes e depois da tributação e das transferências diretas. Isso é feito comparando o coeficiente de Gini da distribuição de renda (zero para igualdade máxima e um para desigualdade máxima) antes e depois dos impostos e transferências.
Em grande parte do mundo, tendemos a encontrar uma redução significativa na desigualdade após impostos e transferências. Na maioria dos países europeus, não só a desigualdade é menor, mas a redução após a intervenção estatal é alta. Em países como Espanha e França, a intervenção do Estado pode reduzir o coeficiente de Gini em até 0,15 e, em países como Suécia e Dinamarca, a redução é superior a 0,2. Essas diferenças pré vs. pós-ação governamental (redistribuição absoluta) demonstram o impacto de sistemas progressivos que distribuem a riqueza dos mais ricos para os mais pobres.
Em muitos países latino-americanos, por outro lado, a ação do Estado é praticamente nula e a desigualdade apenas muda após a intervenção do Estado. No Peru, por exemplo, a desigualdade de renda antes da ação estatal caiu acentuadamente nos últimos anos, de valores próximos a 0,6 (entre os mais altos do mundo) para valores de 0,45. Entretanto, a ação do estado parece limitada, com uma redistribuição absoluta de meio décimo.
Algo similar acontece na Colômbia, com uma redistribuição que, em alguns anos, foi nula. No Brasil, diferente do Peru, o Gini antes dos impostos e transferências se mantém cerca de 0,6, mas após a intervenção do estado cai em um décimo, sendo, com o Uruguai, um dos países com maior impacto na redistribuição absoluta (assim calculada como a diferença entre o Gini antes e após impostos e transferências).
Crescente concentração de riqueza a necessidade de reformas redistributivas
Para o conjunto de 23 países da América Latina e do Caribe, os dados são desanimadores. Nos últimos anos, houve uma estagnação no declínio da desigualdade que vinha ocorrendo desde o início do século. E a ação dos estados não parece favorecer a redistribuição de forma significativa.
Nesses países, a escassa capacidade redistributiva dos estados coincide com uma crescente concentração de riqueza nas mãos dos mais ricos. Isso, aliado a benefícios cada vez maiores.
A situação preocupa traz de volta ao primeiro plano político a necessidade de reformas redistributivas na região, muitas vezes debatidas e quase sempre ineficazes. Nesse sentido, o relatório da Oxfam se soma aos apelos por reformas tributárias na região e por um “Novo Pacto Social Latino-Caribenho” centrado em torno de três prioridades: fortalecer as políticas públicas de proteção social; avançar à universalização dos serviços públicos; e aumentar os recursos públicos para fazer frente aos custos que esses desafios representam.
E isso requer uma contribuição maior das grandes empresas e fortunas da região. Até agora, o escasso esforço redistributivo nos países latino-americanos recaiu sobre as classes médias, com os mais ricos monopolizando uma proporção cada vez maior da renda e da riqueza. Daí a ênfase na necessidade de aumentar a contribuição dos mais ricos e das grandes empresas, já que essas podem contribuir para reduzir a desigualdade tanto direta quanto indiretamente. Diretamente, por exemplo, fornecendo empregos de qualidade com salários justos ou investindo em comunidades locais, melhorando infraestruturas e serviços básicos. Indiretamente, ao contribuir mais aos cofres públicos, permitindo aumentar o gasto público social.
Em plenas mudanças de ciclo político em muitos países da América Latina, devemos lembrar que todo esforço para reduzir as desigualdades, bem como para aumentar a redistribuição, melhora não só a coesão social, mas também, como vários estudos demonstraram, a sustentabilidade econômica e o desenvolvimento em geral. Portanto, a luta contra a desigualdade não só segue sendo uma tarefa pendente, mas também deve ser uma prioridade para os governos de nossa região.
Autor
Professor da Univ. Autônoma de Barcelona. Doutor em Economia pela Univ. de Barcelona. Mestre em Desenvolvimento pelo Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona (CIDOB). Especializado en economia internacional y economia urbana.
Economista e Pesquisador Associado MINCIENCIAS - Colômbia. Doutorando em Economia e Negócios pela Universidade Autónoma de Madrid, Especialista em Economia do Desenvolvimento, Econometria Aplicada e análise de input-output.