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Mario Vargas Llosa não partirá

Vargas Llosa não só cultivou um estilo literário singular - como apontam os críticos -, mas também explorou a análise do poder em suas múltiplas manifestações.

Tive a oportunidade de conhecer Mario Vargas Llosa pessoalmente em Caracas, em 1993, durante um dos primeiros congressos organizados pela Associação Latino-americana de Sociologia. Um conhecido editor convidou um grupo de jovens para a apresentação que o autor faria na livraria Planeta para o lançamento de seu romance “Lituma en los Andes”, obra que acabara de receber o prêmio concedido pela editora.

Naquela época, o Peru estava imerso em um contexto marcado pela ruptura da ordem democrática, após o autogolpe de Alberto Fujimori – que, aliás, havia derrotado Vargas Llosa em uma memorável campanha eleitoral. Após essa derrota, Vargas Llosa optou por abandonar a política e retornou ao seu território natural: a literatura. Diante da pergunta sobre a situação do Peru, sua resposta foi generosa, otimista e marcada por uma polidez da qual ainda me lembro.

À medida que sua obra foi se desenvolvendo, diferentemente de outros escritores latino-americanos – como Gabriel García Márquez, Miguel Ángel Asturias ou o próprio Julio Cortázar – Vargas Llosa não só cultivou um estilo literário singular (como apontam os críticos), mas também explorou a análise do poder em suas múltiplas manifestações.

Além de suas posições ideológicas, no campo da sociologia política pode-se notar um ponto de convergência com Michel Foucault: ambos compartilham uma profunda preocupação com o poder – com suas formas de exercício, reprodução, legitimação e resistência. No caso de Vargas Llosa, esta preocupação está presente de forma transversal em sua narrativa, tornando sua obra uma rica fonte de reflexão sobre o político.

Em seus primeiros anos, Vargas Llosa foi um entusiasta da Revolução Cubana. No entanto, rompeu com o regime após o caso do poeta Heberto Padilla, preso em 1971 após ter recebido o Prêmio Nacional de Poesia apenas três anos antes. Sua obra foi denunciada como subversiva e contrarrevolucionária, e sua prisão marcou um ponto de inflexão. Os escritores mediaram moderadamente a liberdade de Padilla e a resposta do governo foi acusá-los de serem agentes da CIA. A subsequente e humilhante autoincriminação pública à qual Padilla foi forçado a se submeter causou um profundo choque na intelectualidade internacional e foi um divisor de águas.

Esse episódio constituiu uma ruptura ética e simbólica entre o regime cubano e um amplo setor da comunidade intelectual. Figuras como Jean-Paul Sartre, Susan Sontag, Simone de Beauvoir, Italo Calvino e Carlos Fuentes, sob a liderança de Vargas Llosa, expressaram publicamente sua discordância. A partir de então, sua postura crítica o distanciou gradativamente dos círculos culturais hegemônicos da América Latina, dominados por uma esquerda muitas vezes indulgente diante do autoritarismo revolucionário.

A obra que me produziu maior impacto quando me estabeleci no Brasil em 2000 foi “A guerra do fim do mundo”. Embora publicada em 1981, surpreendentemente ainda não tinha uma presença forte – e ainda não tem, devido a preconceitos ideológicos – nos círculos acadêmicos brasileiros. A obra, que inicialmente poderia ser classificada – erroneamente – no âmbito do realismo mágico, nos moldes de “Cem Anos de Solidão”, é um romance histórico rigorosamente documentado comparado a “Guerra e Paz”, de Tolstoi, por sua ambição narrativa.

Um dos aspectos marcantes do livro é que ele está enquadrado no debate latino-americano sobre os desafios da modernidade e os dilemas da modernização. O romance antecipa uma tragédia de fanatismos conflitantes, na qual se confrontam os fundamentalismos religioso e modernizador do estado republicano. Uma de suas maiores realizações é, sem dúvida, ter dado voz aos marginalizados, o que, entre outras coisas, faz dele uma obra monumental.

Quando analisamos sua obra, com exceção de seus ensaios, notamos uma constante: a coerência. Vargas Llosa surge como uma figura que irradia uma perspectiva interdisciplinar em permanente diálogo – e também em tensão – com campos como a história, a ética, a ciência política, a antropologia, a sociologia e até mesmo a psicologia. Por isso, suas leituras críticas podem ter incomodado tanto setores de esquerda quanto de direita, em um continente marcado por evidentes contradições. Por isso, suas posições políticas têm sido objeto de controvérsia.

Seus oponentes o rotularam de conservador, embora na América Latina ele tenha se posicionado em contextos polarizados como antipopulista. Mas, fundamentalmente, Vargas Llosa é um liberal clássico, tanto econômica quanto politicamente, e também crítico de certos progressistas contemporâneos. Um liberal ao ponto de condenar o dogmatismo dos economistas que acreditam que o mercado é a solução para todos os problemas em suas mais diversas dimensões e que seria o caminho por aquele que também seria levado ao autoritarismo.

Outra acusação injusta feita ao escritor peruano é de ter apoiado regimes autoritários. O que não é verdade. Ao contrário, seu posicionamento político serviu como catalisador para uma autocrítica obrigatória dentro da esquerda latino-americana, em especial respeito ao respaldo de regimes autoritários como Cuba, Nicarágua e Venezuela. Quizás, seu domínio preciso da língua pode ter provocado confusões diante de adversários menos qualificados.

Vargas Llosa, sem dúvida, foi um adversário implacável. Um liberal que chega a condenar o dogmatismo dos economistas que acreditam que o mercado é a solução para todos os problemas em suas mais diversas dimensões e que também seria o caminho para o autoritarismo.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

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Cientista político. Professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás, (Brasil) Doutor em Sociologia pela Univ. de Brasília (UnB). Pós-doutorado na Univ. de LUISS (Italia). Especializado em estudos comparativos sobre a América Latina.

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