Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Educando no século XX para problemas do século XXI

As universidades latino-americanas continuam formando profissionais para um mundo que já não existe, desconsiderando as demandas do futuro laboral digital e sustentável.

Em boa parte da América Latina, a oferta acadêmica universitária continua respondendo a um modelo de formação herdado do século passado. Os cursos mais procurados continuam sendo Direito, Administração de Empresas, Medicina, Engenharia Civil ou Contabilidade, entre outras profissões tradicionais. Embora sejam disciplinas valiosas, refletem um descompasso preocupante em relação aos desafios atuais de desenvolvimento, tecnologia e sustentabilidade global.

O mundo de hoje exige especialistas em análise de dados, inteligência artificial, sustentabilidade ambiental, transição energética, logística avançada ou cibersegurança. Segundo o World Economic Forum, as habilidades mais demandas para 2025 incluem pensamento analítico, alfabetização em dados, IA aplicada, resiliência climática e cibersegurança.

No entanto, salvo raras exceções, esses campos emergentes não são prioritários nem na oferta acadêmica, nem na demanda estudantil na região: segundo a UNESCO, menos de 10% das matrículas no ensino superior na região se concentram em programas técnicos avançados ou digitais. A isso se soma um problema estrutural: muitas universidades seguem formando profissionais para resolver problemas locais e passados. Por exemplo, no Equador, mais de 40% dos novos graduados universitários entre 2020 e 2023 vieram de carreiras tradicionais como Direito, Administração ou Contabilidade, segundo dados da SENESCYT. Isso evidencia uma desconexão entre o que as universidades ensinam e as habilidades globais exigidas pelo mercado do século XXI.

Esse atraso não se deve apenas à falta de visão institucional. Em grande parte da América Latina, especialmente em regiões rurais ou empobrecidas, o acesso desigual a necessidades básicas como água potável, segurança alimentar ou conectividade digital continua sendo uma barreira estrutural.

No âmbito digital, a UIT (União Internacional de Telecomunicações) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) indicam que só 37% dos lares rurais têm acesso à internet fixa, contra 71% em áreas urbanas. Essa lacuna limita a exposição precoce a carreiras tecnológicas e restringe a escolha acadêmica a opções conhecidas, “seguras” ou socialmente valorizadas. Nesses contextos, a escolha profissional é mais orientada pela promessa de estabilidade (como Direito, Administração, Educação) do que pela relevância para o futuro do trabalho, onde são necessárias competências digitais, técnicas e globais. O resultado é um círculo vicioso: quem mais precisa de mobilidade social opta por carreiras saturadas ou de baixo crescimento, perpetuando a desigualdade estrutural.

Embora as causas sejam profundas e estruturais, as soluções não precisam depender exclusivamente do Estado. A academia latino-americana tem a capacidade e a responsabilidade de liderar uma transformação silenciosa, mas eficiente, baseada em modernizar sua oferta acadêmica, alinhando-a com os desafios do presente, sem esperar subsídios ou reformas governamentais. Uma maneira concreta de fazer isso é através de programas de vinculação precoce entre universidade e empresa. As instituições de ensino superior podem criar cursos ou programas de formação dupla, nos quais os alunos realizam seus primeiros anos de experiência profissional em empresas reais, sem que isso implique um custo para o Estado.

Modelos semelhantes têm sido bem-sucedidos em países como Alemanha, onde o setor privado se envolve ativamente na formação do talentos que necessita. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), esse modelo contribuiu para que a Alemanha mantivesse uma das taxas de desemprego juvenil mais baixas do mundo: 6,2% contra a média de 13,3% na União Europeia.

Um exemplo inspirador na região é o Plano Ceibal do Uruguai, que desde 2007 transformou o acesso à educação digital mediante a entrega em massa de dispositivos e conectividade a alunos e professores. Reconhecido internacionalmente pela UNESCO e pelo BID, o programa não só reduziu a exclusão digital, mas também promoveu o desenvolvimento de habilidades tecnológicas desde as fases iniciais, demonstrando que a inovação educacional é possível na América Latina quando existe uma visão de longo prazo.

Tudo o que foi mencionado acima está relacionado à orientação para uma nova escolha de carreiras entre os futuros profissionais do país, aumentando em pelo menos 30% o interesse em carreiras que atendem às exigências do mercado atual.

Em nível macroeconômico, a relação entre capital humano qualificado e crescimento econômico é direta. Segundo o Banco Mundial, para cada 10% de aumento na proporção de graduados com habilidades tecnológicas alinhadas ao mercado, o PIB per capita pode aumentar entre 0,6% e 1,1% nas economias emergentes. Em outras palavras, uma universidade alinhada com a indústria não apenas reduz o desemprego, mas também gera riqueza. Além disso, as universidades podem promover incubadoras de projetos interdisciplinares, onde estudantes de diversas faculdades colaboram na resolução de problemas reais de suas comunidades usando tecnologias aplicadas. A experiência internacional apoia essa abordagem: segundo a Pesquisa Global sobre o Espírito Empreendedor dos Estudantes Universitários, os estudantes que participam de projetos interdisciplinares e incubadoras universitárias têm 56% mais chances de criar empreendimentos com impacto social ou tecnológico.

Na América Latina, casos de sucesso como o programa StartUP Peru ou Tec de Monterrey demonstraram que projetos de base tecnológica incubados em universidades geram um retorno social e econômico tangível. Um estudo do Banco Mundial aponta que os graduados que participam de incubadoras universitárias aumentam suas chances de empregabilidade em 18% e, em alguns casos, sua renda em mais de 20%.

É nesses espaços que a Engenharia de Dados, a Automação, a Análise Territorial ou a Energia Sustentável encontram não só aplicação técnica, mas também um propósito social transformador. Desde soluções de energia solar para áreas sem rede elétrica até análises geoespaciais para combater a desflorestação ou melhorar os sistemas agrícolas locais. Essa abordagem transforma a universidade em uma plataforma ativa de inovação territorial e não apenas um centro de instrução. Não é necessário inventar cursos de difícil aplicação, mas sim redesenhar os atuais com conteúdos, metodologias e alianças que os tornem úteis para o futuro.

Em uma região com altas taxas de informalidade laboral e uma transição digital ainda incipiente, a universidade não pode continuar preparando profissionais para problemas que já não existem ou para setores econômicos em declínio. O ensino superior deve deixar de olhar para o passado com nostalgia e começar a construir o futuro com dados, ciência e compromisso social.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

Doutor em Automação e Robótica. Realizou pesquisas em diversas universidades na França, Espanha e Equador sobre energia, tecnologia e desenvolvimento. Sua pesquisa se concentra em economia social, transformação industrial e desenvolvimento educacional.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados