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Discursos desgastados e outlets não autorizados: refazer a roda da democracia

O Chile recebeu presidentes progressistas, entre eles o espanhol Pedro Sánchez, sob o lema Democracia Sempre. Isso é coerente com o que ocorre internamente em cada país?

A recente cúpula Democracia Sempre, realizada em Santiago do Chile, reuniu um punhado de presidentes de esquerda da América Latina com o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez. O evento, apresentado como um fórum para defender a democracia, o multilateralismo e combater a desinformação, também foi um retrato revelador de como a liderança oficialista espanhola usa a América Latina como um cenário alternativo para reposicionar discursos que já não encontram eco em suas próprias sociedades. A América Latina é o outlet da política espanhola?

Pedro Sánchez, único líder europeu presente, chegou ao Chile em meio a uma tempestade política em seu país. A Espanha está em chamas: escândalos de corrupção que atingem o coração do governo, uma oposição fortalecida e uma cidadania cada vez mais cética diante da retórica moralizante do Executivo. Nesse contexto, sua presença na América do Sul não pode ser lido como um gesto diplomático desinteressado. Deve ser vista como uma manobra política: uma tentativa de projetar liderança internacional enquanto sua autoridade doméstica se desgasta.

A autoridade moral

A política externa espanhola para a América Latina tem sido historicamente ambivalente. Às vezes paternalista, outras vezes ausente e, em ocasiões, como agora, instrumental. Sánchez não veio para ouvir, veio para ensinar. Em seu discurso, pediu para “passar à ofensiva” contra o que chamou de “internacional reacionária”, uma coalizão de forças de ultradireita contrárias aos valores democráticos em ambos os lados do Atlântico. Mas o problema não é o diagnóstico. É o contexto: com que autoridade moral um presidente cercado por escândalos em seu país pode vir dar lições sobre ética democrática?

Na foto, foi acompanhado por outros líderes cuja legitimidade também está em questão. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, chegou exultante após o que parece ser uma vitória diplomática: as recentes medidas comerciais dos Estados Unidos contra seu país, motivadas pelo julgamento de Jair Bolsonaro, reacenderam sua popularidade. Mas Lula não é um novato na política nem um símbolo imaculado. Seu retorno ao poder foi tão celebrado quanto questionado. E sua aliança com Sánchez responde mais a uma necessidade de blindagem política do que a uma visão compartilhada do futuro.

O colombiano Gustavo Petro, por sua vez, representa o caso mais problemático do grupo. Seu governo está cercado por escândalos de diversas naturezas, sua coalizão se fragmentou e seu estilo confrontador contribuiu para uma polarização que paralisa qualquer tentativa de reforma. Petro não é hoje um parceiro confiável para seus aliados internos e nem para seus pares internacionais. Sua presença na cúpula, longe de fortalecer a mensagem, enfraquece-a.

O que os países ganham com isso?

Yamandú Orsi, presidente do Uruguai, é o mais novo no cargo e, portanto, o mais cauteloso. Sua participação parece mais um gesto de cortesia diplomática do que uma adesão ideológica plena. No entanto, sua presença também levanta questões: o que o Uruguai ganha ao se aliar a um bloco que parece mais interessado em retórica do que em resultados?

O anfitrião, Gabriel Boric, fecha o quadro com um paradoxo. Chegou ao poder como símbolo de renovação. Mas se despede com baixos índices de aprovação e a derrota contundente de seu partido nas primárias da esquerda chilena. A vitória de Jeannette Jara, candidata do comunismo nessas primárias, marca uma virada que deixa Boric em uma posição desconfortável: organizador de uma cúpula que já não representa nem mesmo o futuro de seu próprio espaço político.

A cúpula Democracia Sempre foi apresentada como um esforço para construir uma narrativa alternativa frente ao avanço da ultradireita. Mas, na prática, tem funcionado mais como um clube de autoafirmação para líderes em apuros. A retórica da defesa democrática perde força quando quem a defende enfrenta sérias dificuldades para sustentá-la em seus próprios países.

A Espanha, em particular, deveria refletir sobre o uso que faz da América Latina como plataforma de reposicionamento político. Não é a primeira vez que o faz, mas é uma das mais evidentes. Em vez de construir relações baseadas no respeito mútuo e na cooperação efetiva, insiste-se numa lógica de exportação ideológica que pouco tem a ver com as necessidades reais da região.

Ouvir mais e falar menos

A política não é um outlet onde se colocam os discursos que já não se vendem em casa. Nem é um espaço onde só conversa quem pensa igual. Não é à toa que Democracia Sempre gerou resistências em alguns círculos políticos de alto nível. A América Latina não precisa de sermões, precisa de parceiros. E o presidente espanhol, se quiser ter um papel relevante no continente, deve abandonar a tentação da superioridade moral e criar um diálogo verdadeiro e diversificado que reúna partes diferentes. Ou seja, integrar mais e falar menos.

A cúpula no Chile deixou uma imagem clara: um grupo de líderes que, mais do que construir o futuro, parecem se agarrar ao passado da primeira onda progressista. Um passado em que a retórica, inflada pelos altos preços das matérias-primas, era suficiente para governar. Mas os tempos mudaram há muito tempo, e a política, como a história, não perdoa quem insiste em repetir fórmulas esgotadas.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

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Jornalista. Doutor em Ciência Política pela Universidade da República (Uruguai). Coordenador de projetos no Programa Regional Partidos Políticos e Democracia na América Latina da Fundação Konrad Adenauer. Coordenador da plataforma de Diálogo Político.

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