É notável como a narrativa e o discurso de alguns pode influenciar o comportamento de outros, independentemente da validade do que é dito, da visão ou da ideologia de quem transmite a mensagem. Mensagens inequívocas surgiram do fórum de Davos acerca do irremediável da globalização financeira e os benefícios do mercado. Em suma, dos perigos da intervenção pública.
Mas o mundo está mudando, os discursos são diferentes. Prova disso é o clamor por diferentes esquemas de apoio estatal para financiar a transição energética entre os empresários reunidos em Davos, ou o apelo feito neste fórum pela diretora executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, para deixar para trás o “ideologismo” (isto é, oposição aos subsídios) e, assim, avançar rapidamente com a transição.
A sanção do Congresso estadunidense da Lei de Redução da Inflação (IRA, pela sua sigla em inglês), implica uma profunda mudança de política. O pacote fiscal introduzido pelo governo de Joe Biden implica subsídios de 370 bilhões de dólares, ao mesmo tempo que permite aos contribuintes entrar no programa através da utilização de créditos fiscais.
Para qualquer investimento em energia limpa é garantido 30% em créditos fiscais, embora os subsídios finais possam exceder este limite, por exemplo, com pagamentos provenientes quer dos governos estaduais (sobre os salários) quer dos locais (benefícios locais). Assim, muitos investidores recebem ajuda estatal por metade do valor do projeto, embora alguns analistas estimem que seja mais do que isso.
Desde que a aprovação da lei em meados de 2022, foram aprovados projetos no valor de mais de 90 bilhões de dólares, e isto é apenas o começo: de acordo com estimativas do Credit Suisse, os benefícios fiscais do programa podem alcançar os 800 bilhões de dólares e, indiretamente, ascender a cerca de 1,7 trilhões de dólares. Sem dúvida, a aposta econômico-financeira do governo democrata é impressionante e a medida do desafio geopolítico que os EUA enfrentam, porque, para além do problema climático, da forma como a energia é gerada, como as pessoas se movimentam ou como é produzida e consumida, a corrida tecnológica está por detrás dela.
Neste momento, a China lidera (de longe) a produção de tecnologias limpas e dos seus componentes, e tornou-se o principal produtor de baterias de lítio e de carros elétricos. Esta política industrial lhe permite subir na cadeia de valor e criar empregos de qualidade. Tudo isto reflete uma visão de longo prazo, planejamento estratégico e um montante incalculável de subsídios concedidos para financiar a transição: a Bloomberg-NEF estima que só em 2022 foram feitos subsídios no valor de 546 bilhões de dólares, pelo que competir com a China não será fácil.
Na União Europeia, a discussão energética tem sido atravessada por circunstâncias especiais. Uma série de crises, começando com a financeira de 2010, seguida pelas consequências de uma série de eventos extremos, depois o surto da pandemia de COVID-19, primeiro, e depois a invasão da Rússia à Ucrânia, que vieram a confrontar os líderes europeus com a realidade. A política monetária não era mais suficiente: a política fiscal tornou-se necessária para responder às emergências.
Embora os subsídios tenham sido aceitos com relutância, em 2020 surgiu um pacote de 81 bilhões de euros em subsídios para energias renováveis. Posteriormente seguiu-se o plano Next Generation EU, concebido para impulsionar a recuperação nos Estados membros diante da COVID-19 através de um “pacote de estímulo nunca antes financiado na Europa”. Finalmente, foi implementado um novo pacote fiscal, com o objetivo de avançar em direção a uma maior coesão social.
A fim de não perder protagonismo, muito menos investimentos e fontes de emprego, nos últimos dias foi discutido em Bruxelas sobre um novo “Fundo Soberano Europeu”. O objetivo é estender o atual esquema de auxílio estatal e subsídios focados em (certas) energias renováveis, bem como igualar os benefícios oferecidos pelo governo norte-americano aos investidores. Entretanto, isto está longe de entusiasmar os chamados “falcões fiscais”.
A mensagem que emerge entre os empresários é que os incentivos fiscais são irresistíveis para os investidores. Embora este tenha sido sempre o caso, o discurso também pode ser analisado a partir da perspectiva de quem outorga o benefício. Destaca-se aqui o desenho da política, a presença (ou melhor, a ausência) de uma visão estratégica do Estado.
A emergência climática coloca a necessidade de transformar o modelo de produção e acelerar a transição energética. Obviamente, a realidade que a América Latina enfrenta é diferente, o espaço fiscal é menor e a magnitude dos fundos é outra. Entretanto, também é verdade que muitos de nossos países continuam concedendo (amplos) benefícios à indústria petrolífera, e aqui não estamos falando apenas de subsídios ao consumo de combustíveis, que são generosos, mas também de benefícios fiscais concedidos a novos projetos de exploração, apesar das baixas receitas públicas geradas por estes projetos ou das amplas facilidades que gozam as empresas estrangeiras ao repatriar fundos. Sem mencionar os escassos controles ambientais envolvidos neste tipo de projeto, cujos custos “aparecem” na primeira ruptura de tubulação. Em suma, os subsídios estatais estão presentes e são significativos.
A profusão de políticas públicas, incluindo os substanciais recursos fiscais que os distintos países concedem ao complexo energético, implica custos, mas também se espera que a transição traga benefícios econômicos, sociais e ambientais. Mas é também uma aposta política, com fortes repercussões geopolíticas. Infelizmente, porém, muitos governos da região continuam inclinados para indústrias do passado que beneficiam uns poucos e acarretam consequências onerosas e duradouras para muitos outros.
As narrativas de desenvolvimento que se querem impor na região, sem dúvida, retardarão a transição na América Latina. Continuamos olhando para o passado.
Autor
Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Estado e da Sociedade -CEDES (Buenos Aires). Autor de "Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.