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A COP-30 deve discutir as migrações ambientais

A COP-30 enfrenta o desafio urgente de reconhecer e proteger as populações deslocadas ou imobilizadas pela crescente crise climática.

Eventos climáticos extremos vêm impactando a vida de todas as pessoas em diversas partes do mundo, de maneira direta ou indireta. Fenômenos como enchentes, secas prolongadas, incêndios florestais e elevação do nível do mar estão forçando milhares de pessoas a deixarem suas casas, muitas vezes sem perspectiva de retorno, ou seja, permanentemente. Tais eventos se somam a desigualdades sociais, conflitos e vulnerabilidades, evidenciando cenário de policrise.

Em países com baixa capacidade de resposta e infraestrutura limitada, os impactos ambientais se tornam ainda mais severos. Comunidades vulnerabilizadas, enfrentam riscos adicionais diante da intensificação dos eventos climáticos. A mobilidade humana, nesse contexto, deixa de ser uma escolha e passa a ser uma necessidade urgente para a sobrevivência. Porém neste cenário também existem situações de imobilidade: pessoas que, mesmo diante de riscos iminentes, não conseguem se deslocar por falta de recursos, apoio ou alternativas seguras. A crise climática não apenas desloca, mas também aprisiona.

Especialistas alertam que a maioria dos refugiados e deslocados internos vivem em regiões altamente expostas às mudanças do clima. Sem políticas públicas eficazes e cooperação internacional, essas populações enfrentam obstáculos para reconstruir suas vidas e estão vulneráveis a novos ciclos de deslocamento.

A mobilidade humana no século XXI está sendo moldada por fatores ambientais que exigem respostas urgentes, integradas e baseadas em direitos. Reconhecer essa realidade é o primeiro passo para garantir proteção e dignidade às populações afetadas. Nas últimas décadas, os deslocamentos ambientais se destacam entre os deslocamentos forçados no mundo todo, com 264,8 milhões de movimentos forçados de pessoas em 210 países e territórios entre 2015 e 2024 (IDMC, 2025).

Enquanto os gatilhos ambientais e climáticos para o deslocamento seguem aumentando – como visto nas recentes inundações no Rio Grande do Sul, nas intensas secas na Amazônia e nas grandes queimadas no Pantanal –, a maioria das pessoas já deslocadas à força por perseguição, conflito e violência vive em países altamente vulneráveis e com dificuldades estruturais para se adaptarem às alterações do clima. As mudanças climáticas se relacionam com os fluxos migratórios de forma dupla: gerando novas pessoas deslocadas ambientais e afetando criticamente aquelas que já se encontram em situação de refúgio por outros motivos.

Além disso, as populações afetadas que já vivem em locais com acesso limitado a serviços básicos ou infraestrutura estão altamente expostas e vulneráveis a riscos climáticos. Inundações, secas, tempestades e ondas de calor as colocam em situações de risco constante de novo deslocamento ou, no extremo oposto, de imobilidade forçada, quando não podem se mover para um local seguro. A crise climática perturba os meios de subsistência e torna mais difícil para as pessoas deslocadas recuperarem sua autonomia, dificultando o acesso a direitos e garantias fundamentais para a sua sobrevivência.

Com bases nos dados acima e com o objetivo de garantir proteção e dar visibilidade a todas as pessoas impactadas e afetadas por desastres ambientais e pelos efeitos adversos das mudanças climáticas um grupo de mulheres: pesquisadoras, extensionistas que estudam, trabalham e atuam nos territórios impactados buscaram contribuir neste momento de COP-30 para  escrever e apresentar a  Declaração da Academia  sobre Proteção Integral a Pessoas Deslocadas Ambientais e Pessoas Refugiadas, Outras Migrantes ou com Necessidade de Proteção Internacional Impactadas por Questões Ambientais e Climáticas – Declaração da Academia no Marco da COP 30.

A Declaração é fruto de um processo coletivo e colaborativo. Inspirada na experiência da Declaração da Academia no Marco de Cartagena +40, ela foi elaborada por um Grupo de Trabalho (GT) composto por docentes, pesquisadoras e pesquisadores da UniSantos, da RESAMA e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello. O texto foi submetido a consultas públicas e recebeu contribuições de especialistas de mais de 15 países, entre eles Brasil, Colômbia, Índia, Austrália e Senegal.

O objetivo era ambicioso: construir, de forma colaborativa, uma declaração que colocasse a proteção das pessoas deslocadas por razões climáticas e ambientais no centro das discussões internacionais da COP-30, que será realizada em Belém do Pará, em novembro de 2025.

A Declaração parte do princípio de que a Academia não deve se limitar a observar as crises, mas contribuir ativamente para transformá-las. Ao unir teoria e prática, ela reivindica o papel do conhecimento científico como ferramenta de justiça e solidariedade. Essa visão ganha força em um momento em que a mobilidade humana por razões climáticas desafia as fronteiras do direito internacional. Ao mesmo tempo em que as legislações nacionais são insuficientes, as respostas globais ainda caminham lentamente. Nesse contexto, o documento surge como uma proposta concreta para preencher lacunas de proteção e inspirar novas políticas públicas e complementar às já existentes.

Essa diversidade de vozes reflete o espírito da iniciativa: pensar globalmente, agir regionalmente e escutar localmente. Cada contribuição foi incorporada de forma crítica, resultando em um documento que traduz as experiências reais das pessoas e comunidades afetadas pelas mudanças climáticas.

O que propõe a Declaração?

A Declaração da Academia no Marco da COP-30 contém um preâmbulo e 30 recomendações centrais. Mais do que recomendações, o texto é um chamado à ação conjunta entre governos, organismos internacionais e sociedade civil para guiar e somar a luta por justiça climática e visibilidade à todas as pessoas impactadas e forçadas a se deslocar em razão de desastres ambientais ou dos efeitos adversos das mudanças climáticas.A Declaração da Academia, ainda aberta à novas adesões, chega como um manifesto de esperança e responsabilidade, lembrando que os impactos das mudanças climáticas são sociais para além de serem ambientais. Com esse documento, a Academia brasileira e latino-americana envia uma mensagem clara: é hora de agir de forma coordenada, solidária e comprometida para garantir dignidade a todas as pessoas, territórios e comunidades.

Autor

Professora e pesquisadora da Universidade de Passo Fundo (UPF), Brasil. Coordenadora do Projeto de Extensão do Serviço de Assistência a Migrantes e Refugiados e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello.

Advogada e pesquisadora especializada em direito público. Possui doutorado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e é cofundadora da RESAMA, a Rede Sul-Americana de Migração Ambiental.

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