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A nova pandemia: o conflito de interesses

O conflito de interesses é uma pandemia que avança é como um vírus, ele infecta lentamente os sistemas nos quais confiamos para nos proteger.

O conflito de interesses é a nova pandemia que corrói a confiança em nossas instituições. Embora muitas vezes seja ignorado ou minimizado, seu impacto é profundo. No âmbito da saúde, da política e do meio ambiente, o conflito de interesses corrompe as principais decisões, distorce as prioridades e, em muitos casos, acaba prejudicando aqueles que têm menos poder. Reconhecê-lo não é apenas um ato de ética; é um imperativo de justiça social.

O que é conflito de interesses e por que devemos nos preocupar?

O conflito de interesses ocorre quando um indivíduo ou uma instituição tem interesses particulares – financeiros, pessoais ou profissionais – que afetam sua capacidade de tomar decisões imparciais. Muitas vezes, esses interesses estão ocultos por trás de decisões aparentemente objetivas, mas o dano é real. Os vieses introduzidos por interesses ocultos podem afetar a saúde de comunidades inteiras, desviando recursos e atenção das verdadeiras prioridades.

É fundamental que nos preocupemos. Porque quando se permite que conflitos de interesses orientem as decisões públicas, os mais vulneráveis são os que mais sofrem. As políticas são elaboradas não para o bem comum, mas para atender àqueles que já detêm o poder. As comunidades ficam presas em um ciclo de desigualdade, sem acesso a informações confiáveis ou a políticas que realmente protejam seu bem-estar.

As consequências do conflito de interesses: uma bomba-relógio

O impacto do conflito de interesses na saúde pública é devastador. Se um pesquisador for financiado por uma empresa farmacêutica, seu trabalho poderá ser influenciado por resultados que beneficiem o setor, e não os pacientes. Se uma agência reguladora for influenciada por empresas de alimentos ultraprocessados, suas decisões poderão favorecer o setor, ignorando os riscos à saúde apresentados por esses produtos.

A confiança nas instituições é corroída. As decisões que deveriam ser baseadas em evidências são contaminadas por interesses privados e, pior, as comunidades ficam ainda mais vulneráveis, expostas a políticas e produtos que priorizam o lucro em detrimento da vida humana. O custo não é apenas uma questão de saúde, é uma questão de equidade e justiça.

Variantes perigosas: ‘social washing’ e ‘green washing’.

O conflito de interesses tem múltiplas faces. Duas das mais perigosas são a social washing e a green washing. Essas estratégias de relações públicas buscam disfarçar práticas prejudiciais sob um véu de aparente responsabilidade social ou ambiental. A social washing é a simulação de preocupações sociais por parte de empresas ou instituições que, na realidade, não fazem nada de substancial pela sociedade. É a empresa de junk food que financia programas de saúde enquanto continua a inundar o mercado com produtos prejudiciais à saúde.

Por sua vez, a green washing é o truque para fazer uma empresa parecer ambientalmente consciente quando suas práticas continuam a destruir o planeta. Um exemplo claro são as empresas petrolíferas que investem em campanhas de “sustentabilidade” enquanto continuam com práticas que contribuem para a mudança climática. Essas variantes de conflito de interesses são extremamente prejudiciais porque criam a ilusão de progresso, ao mesmo tempo em que perpetuam os problemas que prometem resolver.

O caso do tabaco e das empresas de alimentos ultraprocessados

A indústria do tabaco é o exemplo mais infame de conflito de interesses em ação. Durante décadas, eles financiaram pesquisas para minimizar os efeitos do fumo na saúde pública. O que deveria ter sido uma questão de saúde pública tornou-se uma batalha de desinformação. A estratégia era simples: semear a dúvida para atrasar a regulamentação, enquanto milhões de pessoas sofriam de doenças respiratórias, câncer e morte prematura.

As empresas de alimentos ultraprocessados estão seguindo o mesmo caminho. Elas financiam estudos que “provam” que seus produtos não são tão prejudiciais quanto parecem e promovem campanhas de “escolha pessoal”, como se a responsabilidade pelos danos fosse exclusivamente dos consumidores. Essas táticas não são erros; são estratégias deliberadas para proteger seus lucros às custas da saúde pública. É o conflito de interesses em sua forma mais brutal e destrutiva.

O caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções

O conflito de interesses raramente se apresenta como algo mal-intencionado. Muitas vezes, as decisões que parecem ser bem-intencionadas estão, na realidade, repletas de interesses ocultos que as prejudicam. Empresas e indivíduos justificam suas ações como se estivessem fazendo o bem, mas os resultados costumam ser devastadores. O ditado “o caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções” não poderia ser mais verdadeiro nesse caso. O que começa como uma suposta solução acaba perpetuando os próprios problemas que se pretendia combater.

Conflito de interesses: o vírus silencioso que adoece a todos nósO conflito de interesses é uma pandemia que avança sem ser reconhecida como tal. Como um vírus, ele infecta lentamente os sistemas nos quais confiamos para nos proteger. De empresas de tabaco a empresas de alimentos ultraprocessados, os interesses privados distorcem as decisões públicas que deveriam nos proteger. E, como qualquer pandemia, ela não cessará até que a enfrentemos seriamente. Reconhecer suas diversas formas, desde a social washing até a green washing, é o primeiro passo. Porque a transparência, como em qualquer crise, é a chave para curar uma sociedade doente de interesses ocultos.

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Nutricionista pela PUCE e Especialista em Saúde Pública pela USFQ, diplomada em Políticas Públicas pela FLACSO. Coordenou projetos de saúde reconhecidos pela OPAS e trabalhou como consultor internacional. Atualmente é professor da PUCE, com foco em nutrição comunitária e saúde pública.

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