No dia seguinte às eleições primárias chilenas de 18 de julho para eleger dois candidatos presidenciais, um da esquerda e outro da direita, a bolsa de valores subiu quase dois pontos. Pela primeira vez em meses, o mercado respirava com a derrota do candidato do Partido Comunista, Daniel Jadue, para o candidato do Frente Amplio, Gabriel Boric. No entanto, dias depois, o presidente da Bolsa de Valores de Santiago declarou que “no discurso do candidato Boric há uma série de perigos”.
O Chile está mudando e isto não afetará apenas o sistema financeiro. O país admirado por sua estabilidade institucional e pelas políticas públicas implementadas nas últimas três décadas foi transformado em um país onde uma grande parte dos cidadãos querem reformar profundamente o modelo de desenvolvimento. “Não são 30 pesos, são 30 anos”, disse uma senhora quando perguntada sobre as causas do surto social de 18 de outubro de 2019.
O país sul-americano se encontra diante de um ponto de inflexão que muito provavelmente o levará a mudar sua estratégia de desenvolvimento e substituir os principais aspectos herdados da ditadura militar: a Constituição política e o modelo econômico baseado em um Estado subsidiário. Após a explosão social, o caminho para esta transformação tem sido marcado por três processos institucionais.
Questionamentos ao modelo, explosão social e processos eleitorais
O Chile conseguiu gerar um modelo de desenvolvimento com luzes e sombras. Embora a pobreza tenha sido reduzida de 45% em 1989 para menos de 15% duas décadas depois, além do forte crescimento econômico, especialmente nas primeiras décadas desde o retorno à democracia, o fracasso em atender às expectativas de uma grande parte da população desencadeou no questionamento do modelo. Isto se manifestou em um aumento nunca antes visto no conflito entre ricos e pobres, como refletido em estudos de opinião como a Pesquisa Bicentenária da UC de 2019.
Neste contexto e após a explosão social, o primeiro processo institucional neste sentido foi o plebiscito de 25 de outubro, no qual 78% da população aprovou a criação de uma nova Carta Magna. Também foi aprovado que a composição da assembleia constituinte encarregada de redigir a nova constituição não incluiria parlamentares, em uma clara rejeição das elites políticas tradicionais.
O segundo processo institucional foi a eleição da assembleia constituinte em meados de maio, onde foram eleitos numerosos candidatos independentes – afastados dos partidos tradicionais –, buscando implementar reformas estruturais no país. Na verdade, cerca da metade dos constituintes, de um total de 155, procuram implementar mudanças profundas ou mesmo radicais.
Diante do desastre eleitoral para o partido governista, o Presidente Piñera declarou publicamente que a cidadania havia enviado uma mensagem clara ao governo e a todas as forças políticas tradicionais: “não estamos em sintonia adequada com as exigências e anseios da cidadania”.
A recente eleição primária de 18 de julho foi o último processo institucional neste sentido, onde mais de 3 milhões de pessoas elegeram dois candidatos jovens e sem militância em partidos tradicionais para concorrer à presidência em 21 de novembro. À esquerda, ganhou Gabriel Boric, o representante da aliança “Aprovo Dignidade”, nascida em janeiro de 2021, que agrupou numerosos movimentos e partidos de esquerda, incluindo o Partido Comunista e o Frente Amplio. Enquanto à direita, foi escolhido para competir pela presidência o candidato independente sem filiação partidária, Sebastián Sichel de “Chile Vamos”.
O Chile passará por mudanças estruturais?
Tudo indica que sim, esse é o caminho mais provável. Uma das mudanças poderia ser o sistema de governo. Alguns falam da adoção do parlamentarismo, outros de um possível semipresidencialismo à francesa, enquanto que segundo pesquisas do Programa de Estudos Sociais da Pontifícia U. Católica de Valparaíso, uma porcentagem significativa prefere continuar com o presidencialismo, mas com maior poder parlamentar.
Também poderiam mudar o modelo de desenvolvimento e passar de um Estado subsidiário, onde o estado não assume atividades que, em teoria, são adequadamente desenvolvidas por indivíduos, para uma variante de um Estado de Bem-estar de estilo chileno. A somatória dessas transformações provocaria, por sua vez, mudanças na política externa e na inserção do Chile no mundo.
Chile passou de eleger, há alguns anos, Sebastián Piñera como presidente para um país no qual os cidadãos exigem maior presença do Estado, desenvolvimento mais sustentável e mais direitos sociais. Mas estas exigências, por sua vez, acarretam um novo e enorme desafio: como será financiado este “Estado de Bem-estar”?
Além dos questionamentos, para muitos analistas, o Chile desperta um grande otimismo e esperança, e é um exemplo de democracia onde a mudança é canalizada através de mecanismos institucionais. Para outros, esta ruptura representa o fim da estabilidade e dilui a possibilidade de transformar o Chile em um país de primeiro mundo. Somente o tempo dirá se o Chile voltará a ser um modelo institucional para o mundo.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Foto de annais en Foter.com
Autor
Cientista político. Fulbright Chair in Democracy and Human Development, Kellogg Institute, Univ. de Notre Dame. Doutor pela Univ. Livre de Berlin. Ex-Diretor de Relações Internacionais da Univ. Católica de Chile e da Univ. Católica de Valparaíso.