Com quase a totalidade das mesas contadas, a alternativa de rechaço à proposta de Constituição no Chile ganhou com 61,9% dos votos contra 38,1% da opção aprovo, uma vitória contundente que não deixa margem para dúvidas. A ideia – que em janeiro foi vista como certa – de que o processo terminaria com o estabelecimento de uma Nova Constituição, começou a desvanecer-se a partir de abril, para finalmente derreter sob um 4 de setembro ensolarado, uma data simbólica que comemorava a eleição de 1973, prévia ao golpe de Estado.
Embora o respaldo que o rechaço obteve não tenha alcançado a magnitude da alternativa de aprovação no referendo anterior de outubro de 2020, a participação eleitoral contundente, com 12.949.651 cidadãos indo às urnas – a mais alta da história do Chile – faz da comparação de qual das duas vitórias foi mais importante um exercício bastante fútil.
Tal como ocorreu após o plebiscito de 2020, as análises do resultado eleitoral serão abundantes nos próximos meses. No entanto, há elementos que podem ser levados em consideração a partir destas primeiras horas. Assim como ler os resultados de outubro de 2020 como um triunfo para a esquerda foi um erro, interpretar estes resultados como um cheque em branco para a oposição ao governo de Boric ou para aqueles que afirmam representar o rechaço, como os partidos de direita e figuras vinculadas a antiga Concertação e Nueva Mayoría, é uma tentação que deve ser evitada.
Embora tenha havido declarações comedidas de alguns líderes da oposição, o turbilhão produzido por um triunfo eleitoral das dimensões alcançadas pelo plebiscito inevitavelmente turva o julgamento e, acima de tudo, deixa uma certa ressaca que. em termos políticos, será evidente quando as comemorações e selfies de ocasião se tornarem uma memória.
Em paralelo, a leitura da derrota, que é mais complexa de assimilar do que um triunfo, deve evitar explicações simplistas, como atribuí-la, por exemplo, à mobilização de um votante facho pobre (pobre de direita) ou atribuir uma relevância decisiva à divulgação de notícias falsas. Parte importante dos setores populares, que deram ao governo uma vitória estrondosa há menos de um ano, são os mesmos que, quase nove meses depois, causaram uma derrota de singular dureza.
Nem a embriaguez da vitória nem a autoflagelação do fracasso deixam evidente o que levou ao triunfo da opção pelo rechaço. A abertura para uma Nova Constituição foi o resultado do acúmulo de processos que levaram a outubro de 2019, um dos mais importantes dos quais foi a deterioração das instituições políticas do país.
Isto é particularmente importante, pois serão instituições como o Congresso, o Governo e os partidos políticos que deverão, nas próximas semanas, definir a continuidade do processo constituinte e, sobretudo, que esta nova versão tenha um resultado favorável. Mas embora o rechaço da nova Constituição seja atribuído ao papel desempenhado pela Convenção Constitucional, não se deve esquecer que a desconfiança nestas três instituições não só é igual ou maior do que a da Convenção, mas também é crônica.
As instituições que devem conduzir o processo constituinte a partir do plebiscito de 4 de setembro, especialmente o Congresso e os partidos políticos, tinham, dois anos atrás, um índice de aprovação menor ao da própria Constituição de 1980. Entretanto, ao contrário do texto constitucional vigente, paradoxalmente escrito pelo que hoje seria considerado um comitê de especialistas (a chamada Comissão Ortúzar), em nenhuma circunstância é proposto questionar a devolução do poder constituinte ao Congresso, o que está legalmente fora de questão. Este talvez seja o grande paradoxo deixado pelo resultado do plebiscito de saída: que as instituições que deveriam colocá-lo de volta nos trilhos são, em grande parte, mais derrotadas do que a própria constituição atual.
O fracasso retumbante da proposta constitucional oferece uma nova oportunidade para o governo, mas acima de tudo para o Congresso e os partidos políticos, de retomar o protagonismo. Entretanto, não se deve esquecer que estes atores são tão ou mais fracos do que a agora vilipendiada antiga Convenção Constitucional. Apesar disso, a eleição com a maior participação eleitoral de nossa história, novamente os encarregou de gerar uma carta fundamental, mas sem o direito a um novo fracasso histórico como o que ocorreu em 4 de setembro de 2022.
Autor
Professor assistente no Departamento de Sociologia, Ciência Política e Administração da Universidade Católica de Temuco (Chile). Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile.