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Colômbia: a ausência em tempos de pandemia

Um jovem médico chamado Juvenal Urbino, obcecado pela erradicação da cólera, trata um dia de uma jovem chamada Fermina Daza. A partir daí começa uma história de amor que revela “o horror da vida real”, que acompanha aqueles que viajam constantemente para evitar o desencontro do amor com a morte. Esta história que se passa na Colômbia é contada no romance: O amor nos tempos de cólera de Gabriel García Márquez (1985).

Muitos anos depois, a Colômbia e o mundo vivem novamente uma outra pandemia, a do Coronavírus, sobre a qual não lemos mais em livros, já que somos os protagonistas dela. A dupla eros – tanatos que García Márquez representa em seu romance é uma imagem que tem acompanhado a história da Colômbia.

Embora até agora o governo colombiano, juntamente com os governadores e prefeitos, tenha sido capaz de viajar pelo mar da pandemia de Covid-19 sem consequências tão trágicas em termos de número de mortes como outros países da região, deve-se notar que os efeitos do confinamento preventivo obrigatório e do estado de emergência declarado de 17 de março a 31 de agosto afetaram a saúde da democracia e da frágil economia colombiana. A Colômbia tem vivido períodos de estados de sítio e de estados de exceção, que tem normalizado muitas práticas jurídicas que está muito relacionado ao conflito social e armado. É por isso que é necessária uma discussão pública sobre os efeitos do Estado de Emergência para que a exceção não se torne a regra na chamada “nova normalidade”.

Esta pandemia nos permitiu ver claramente o espelho que somos: uma sociedade desigual, com uma informalidade trabalhista que ronda os 47%.

Esta pandemia nos permitiu ver claramente o espelho que somos: uma sociedade desigual, com uma informalidade trabalhista que ronda os 47% (DANE – 2019). Você já pode imaginar o cenário nas ruas colombianas nesta reabertura gradual da economia. Milhares de cidadãos procurando maneiras de sobreviver diariamente para enfrentar outra pandemia que já estava presente na Colômbia, a pobreza. O conflito social e a violência estrutural que mancharam o cenário de informalidade e pobreza na Colômbia deve ser interpretado como um processo histórico que começou antes da pandemia, mas que se tornou mais evidente e urgente em tempos da mesma.

O triste cenário da precariedade social e econômica de milhões de colombianos não pode, entretanto, esconder o esquecimento de outra tragédia que acompanha o país: a morte de centenas de líderes sociais e membros desmobilizados das FARC. O tratado de paz com os guerrilheiros das FARC, que é admirado internacionalmente, mas que divide os colombianos, lembra uma história já vivida, a do desaparecimento dos membros do partido político da União Patriótica (UP) (1984-1986).  De acordo com o relatório do Centro Nacional de Memória Histórica (CNMH), Tudo aconteceu diante de nossos olhos. O genocídio da União Patriótica 1984-2020, pelo menos 4153 cidadãos que eram membros desse partido foram assassinados, sequestrados ou desapareceram.

Com medo de viver a mesma história que a UP, muitos ex-combatentes desmobilizados das FARC estão clamando ao governo e à sociedade pela proteção de suas vidas. A ONU tem desempenhado um papel decisivo na implementação dos acordos de paz. Sua voz legitima o acordo e ajuda a pressionar o governo do presidente Duque para que este esforço não seja parte de um novo fracasso na história das negociações com os grupos armados na Colômbia. Por trás deste cenário complexo, se escondem, felizmente, micro histórias de melhoria social e coerência política. Mais de 11.000 ex-combatentes das FARC são hoje uma parte ativa da vida política, social e econômica na Colômbia. Suas iniciativas de empreendedorismo rural, comunitário e ambiental são um rastro de paz em meio a uma confusão de interesses que procura fazer as pessoas acreditarem que todos os esforços das negociações de paz têm sido um fracasso.

Mas o conflito armado e as muitas formas de violência na Colômbia não têm cessado com a abandono das armas por parte das FARC e a implementação dos acordos de paz. A situação geoestratégica da Colômbia, as desigualdades sociais, a porosidade das instituições colombianas e o desejo ad infinitum de superação de muitos colombianos têm sido um terreno fértil para que as redes nacionais e internacionais de economia ilegal aproveitem o vazio territorial deixado pelas FARC e elaborem novos cenários de disputa para a exploração dos recursos petrolíferos, dos cultivos da coca e da mineração.

Uma parte das mesmas Farc, chamadas de dissidências na Colômbia, está liderando a nova ordem territorial. Enquanto isso, o Exército de Libertação Nacional (ELN) está assumindo o discurso político das guerrilhas e luta incansavelmente com o chamado Clã do Golfo (paramilitares) pelo controle das regiões fronteiriças com o Panamá, Equador e Venezuela. A ambiguidade do governo Duque, seu duplo discurso de paz e guerra complicaram ainda mais este cenário de conflito e violência territorial. Um gatilho socioeconômico envolvendo milhares de camponeses excluídos do contrato social.

Mas nem tudo é confuso, trágico e sem esperança neste espelho do conflito social que tornou mais evidente a pandemia do Coronavírus na Colômbia. Para surpresa de muitos, neste país há um despertar juvenil para o público, para participar da ação política, como dizia Hanna Arendt. Milhares de jovens com sensibilidade ecológica, com senso de pertencer a um mundo global comum, com novos interesses sociais e cansados de ver os adultos repetirem a história do círculo vicioso da violência, lançaram-se nas avenidas virtuais e reais das cidades e vilas para gritar seu desencanto com as políticas neoliberais de educação, e a precariedade do trabalho em um mundo e em um país que os marginaliza e os instrumentaliza. 

O escritor colombiano Héctor Abad Faciolince em seu romance: a ausência que seremos testemunha a vida e o sacrifício (eros e tanatos) de seu pai Héctor, uma homenagem aos milhares de líderes sociais que continuam a morrer hoje na Colômbia.

Foto “Desde Colombia con las comunidades campesinas em r”, en Foter.com / CC BY-NC-ND .jpg

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Professor e Diretor da Facultad de C. Política da Pontifícia Universidad Bolivariana (Medellín). Possui doutorado em Espanhol pela Univ. Rennes 2 (França). Pesquisador júnior da Colciencias. Presidente da Associação Colombiana de C. Política (ACCPOL).

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