A 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), realizada na cidade de Belém que está no coração da Floresta Amazônica, pode entrar para a história por algo que vai muito além das negociações técnicas sobre emissões e metas internacionais. A conferência finalmente colocou à mesa a discussão sobre acesso à informação, alfabetização digital e direitos informacionais de comunidades subalternizadas.
Não é pouca coisa. Por décadas, as conferências climáticas trataram de ciência, economia, geopolítica e transições energéticas, mas raramente olharam para a pergunta que define a vida de milhões de pessoas: quem realmente tem acesso às informações necessárias para enfrentar a crise climática?
Nos documentos aprovados – especialmente a Declaração sobre a Integridade da Informação sobre Mudança do Clima e o texto final conhecido como Mutirão Global – a ONU reconhece que desinformação, negacionismo, ataques à ciência e desigualdade no acesso à informação são questões centrais da agenda climática contemporânea.
Esse movimento é importante porque legitima, em escala internacional, algo que pesquisadores e comunicadores comunitários sabem há muito tempo: as mudanças climáticas impactam mais onde a informação chega menos. Ao admitir isso, a COP30 dá um passo simbólico importante, reconhecendo que a informação também é uma ferramenta de sobrevivência.
Solução entregue ao voluntarismo
Mas o entusiasmo inicial logo esbarra na dura realidade da política: apesar de citar temas cruciais, a COP30 faz isso por meio de verbos tímidos e sem força regulatória, como: incentivar, apoiar, convidar e promover. Não há obrigações, prazos, monitoramento, financiamento ou metas vinculantes. A ONU descreve o problema com precisão, mas entrega a solução ao voluntarismo dos governos.
Essa lacuna não é um detalhe, ela produz consequências concretas e profundamente desiguais. Quando um documento global não determina ações práticas, o impacto dessa ausência não se distribui de forma igualitária. Pelo contrário, o peso recai justamente sobre quem já vive na linha de frente da crise climática.
A Conferência do Clima cita povos indígenas, populações negras, mulheres, crianças, migrantes e comunidades locais. Mas nomear não é o mesmo que priorizar – e muito menos garantir ação. Ao não transformar esse reconhecimento em políticas operacionais, essas populações continuam sub-representadas, agora não pela omissão total, mas pela inclusão superficial. A ONU fala sobre elas, mas não a partir delas.
As favelas latino-americanas, especialmente as brasileiras, são um retrato contundente dessa distância entre discurso e realidade. Esses territórios, marcados pela ausência do Estado e por desigualdades persistentes, concentram alguns dos grupos mais afetados pela crise climática: mulheres, crianças, população negra, migrantes e idosos. São nesses espaços que a desigualdade de informação se torna ainda mais evidente.
Falar sobre “acesso à informação” em regiões que convivem com internet instável, celulares limitados, ausência de computadores e plataformas públicas inacessíveis não é um desafio meramente técnico – é um desafio político.
São o que identifico como desertos informacionais: lugares onde os fluxos de informação são escassos, interrompidos ou distorcidos; territórios onde o conhecimento científico sobre o clima chega tarde demais, ou simplesmente não chega. Onde o alerta de chuva forte se perde entre o sinal fraco da operadora, o aplicativo que não abre e os dados climáticos escritos numa linguagem que não dialoga com o cotidiano.
Manutenção de privilégios
A ausência de medidas práticas escancara a lógica que Bruno Latour (2020) já havia identificado: a desinformação e a falta de políticas públicas não são acidentais, elas funcionam para manter privilégios. Quando a ONU evita se comprometer com mecanismos vinculantes, reforça a simetria perversa da crise climática, em que aqueles que menos poluem continuam sendo os mais impactados, e aqueles que mais poluem continuam decidindo o ritmo das respostas globais.
No fim das contas, a COP30 repete um padrão clássico das negociações multilaterais: avança no discurso, mas deixa a prática para depois. Um “depois” que nunca chega para quem vive no limite da sobrevivência.
Essa distância entre o que se declara e o que se faz mantém um abismo entre os grandes negociadores internacionais e as populações nos territórios. A norma avança, a linguagem se sofistica, os documentos se multiplicam, mas a vida nas comunidades periféricas permanece marcada pela falta de estrutura, de rede elétrica estável, de saneamento, de conectividade e de políticas territoriais robustas. Fala-se muito sobre resiliência, mas pouco sobre as condições materiais e informacionais que tornam a resiliência possível.
A COP30 abriu um debate importante e necessário: reconheceu que informação é um instrumento para a justiça social e climática. Mas ainda vivemos em um mundo onde a velocidade do discurso internacional é infinitamente maior do que a velocidade da política pública. O risco é que a COP30 entre para a história como mais um grande encontro que falou sobre inclusão, mas que não incluiu, de forma prática, quem mais vivencia a crise climática. E sem ação inclusiva, não há justiça climática possível.










