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Davos, “fórum do socialismo”: a ascensão da extrema direita e o discurso extrativista

Como todos os anos, de 15 a 19 de janeiro, Davos reunirá os principais líderes empresariais e CEOs. Tal evento convoca também representantes políticos do mundo todo, incluindo o presidente da Argentina, Javier Milei. A Suíça, onde fica esse exclusivo resort alpino, vem sendo fortemente afetada pelo aquecimento global. Com temperaturas que já ultrapassam os 2°C da média global, muitas das estações de esqui estão ficando sem neve. Esse fenômeno certamente não é desconhecido para os organizadores, nem passa despercebido pelos participantes.

Como tem acontecido nos últimos anos, o último relatório de risco global publicado anualmente pelo Fórum Econômico Global destaca o problema ambiental. A emergência climática, bem como a perda de biodiversidade, ocupa um papel central. Na opinião dos entrevistados, o futuro do mundo se mostra sombrio, uma escuridão que reconhece múltiplas causas (conflitos armados, disputas geopolíticas, eventos extremos, aumento das temperaturas, grandes deslocamentos populacionais, agitação social, inteligência artificial e a disseminação de notícias falsas). Isso é motivo de preocupação, tanto para os empresários quanto para as pessoas em locais públicos. Tal situação também nos obriga a repensar a economia, a revisitar os principais conceitos que sustentam a tomada de decisões.

Se as decisões de investimento se concentrarem apenas na eficiência, certamente estaremos em apuros. Em um contexto marcado por múltiplas crises, muitas vezes inter-relacionadas, em que prevalece a incerteza radical, a ideia de resiliência assume o papel central diante de condições extraordinárias, e a primazia da eficiência leva a decisões equivocadas.

A resiliência se torna uma das virtudes dos sistemas complexos, que priorizam o espaço para aprendizagem e adaptação. A presença da incerteza aumenta a necessidade de fortalecer o sistema; a experimentação e o erro são aceitos. Isso contrasta com a visão econômica tradicional, que coloca a eficiência em primeiro plano. Não menos importante é a visão de curto prazo que prevalece atualmente, de escopo restrito, que prioriza o ganho imediato e impede a busca de consensos.

Quando analisamos as propostas ambientais do novo governo argentino, percebemos o quanto nossos líderes estão distantes das discussões que estão ocorrendo no mundo. A agenda de Davos está contaminada pelo socialismo, tal é o pensamento do representante máximo da Argentina: a extrema direita no poder. Mas essa demanda não surge no vácuo, ela representa o pensamento das principais entidades empresariais do país, exigindo a revogação (geleiras, florestas) ou o bloqueio da aprovação de leis (zonas úmidas). O obscurantismo do governo se alia ao imediatismo do “círculo vermelho”, uma nova aliança que ignora o momento crítico pelo qual a sociedade está passando atualmente.

Resiliência na tomada de decisões

A resiliência garante o enfrentamento de eventos imprevistos, que surgem em qualquer sociedade complexa: enfrentar os riscos impostos pelo futuro. Resistir a turbulências profundas, sobreviver a choques e garantir a continuidade de suas funções mais básicas tem sido revelado e reafirmado como fundamental. Esses choques geram distúrbios, desastres naturais com consequências para a vida humana e para a economia. Qualquer que seja o desastre, ele afeta os stocks (perdas de ativos) e os fluxos (redução da produção). A resiliência também implica o reconhecimento dos limites do planeta, o que explica a necessidade de proteger as geleiras ou preservar as florestas nativas.

O investimento em resiliência impõe custos no curto prazo, o que compromete os (imediatos) ganhos. No entanto, em médio prazo, os benefícios de tais investimentos superam em muito os custos. Essa é a conclusão destacada em um relatório da empresa de consultoria McKinsey para o Fórum Econômico Global, que analisa experiências públicas e privadas. Para alguns, assim como para outros, considerar aspectos de resiliência envolve pesar o longo prazo ao tomar decisões. Essas considerações, no entanto, costumam ser negligenciadas nas economias emergentes porque essa inclusão pressiona as finanças públicas: implica maior endividamento.

Resiliência e contrato e social

A grande diversidade que evidencia toda sociedade implica que, diante de um desastre natural, certos grupos serão mais afetados do que outros. Isso não significa que os cidadãos estejam indefesos diante de situações extremas como as discutidas aqui, pelo menos não necessariamente. As sociedades com sistemas de proteção social estão mais bem preparadas para lidar com uma crise do que aquelas que não os têm. Toda rede de segurança tende a proteger os mais vulneráveis; ela é entendida como um mecanismo de compartilhamento de riscos. Assim, a ideia de resiliência não está ligada apenas ao conceito de robustez e adaptação, mas também à capacidade de transformação. Em um mundo marcado por eventos extremos, a resiliência institucional torna-se fundamental.

Por isso, a importância da busca de consensos e a construção de instituições: a prevenção ajuda a enfrentar os mais diversos riscos e reduz a incerteza. Se as regras não forem impostas, mas consensuais e sujeitas a mudanças, é mais provável que o sistema seja mais robusto. O relatório mencionado anteriormente destaca o risco de aumento da polarização e seu possível impacto no declínio econômico.

Devemos olhar para o futuro, mas não mais com as cortinas do passado e o olhar estreito do presente. Um sistema resiliente não é aquele que volta ao normal após um choque, mas aquele que pode antecipar, absorver, recuperar e adaptar-se a um conjunto diversificado de ameaças sistêmicas. Ao enfrentar a incerteza que o futuro nos reserva, os desafios são muitos, mas isso ajuda a entender a sociedade atual, na qual convivem diferentes interesses, valores e visões.

O problema da resiliência está associado a questões como o estabelecimento de regras flexíveis o suficiente para responder à incerteza e às mudanças inesperadas, mas ao mesmo tempo duráveis, no sentido de recriar um ambiente de credibilidade institucional em que as pessoas possam confiar. Isso aumenta a importância do contrato social, entendido como um mecanismo reconhecido por diferentes setores da sociedade para lidar com os desafios e riscos que enfrentam. Esse contrato será resiliente se puder impor limites à propagação de externalidades negativas de alguns sobre outros, mas também assegurar a sociedade contra riscos externos. Dessa forma, as normas sociais enfatizam um senso de pertencimento e proporcionam um sentimento de comunidade. Essa identidade é fundamental, algo crítico para manter a coesão de uma sociedade.

Caso contrário, se continuarmos ultrapassando os limites do planeta, se os “pontos de inflexão” forem atingidos, a adaptação poderá não ser suficiente. Da resiliência passamos ao desastre. E, à medida que nos aproximamos do ponto de inflexão (também associado à ideia de “ponto sem retorno”), quanto mais próximo o desastre for percebido, maior será a percepção de “cada um por si” que reina em vastos setores da sociedade.

Autor

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Investigador Asociado del Centro de Estudios de Estado y Sociedad - CEDES (Buenos Aires). Autor de “Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.

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