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Deixemos o petróleo no subsolo, transformemos as instituições

A chegada de Gustavo Petro e Francia Márquez ao governo na Colômbia foi um choque para muitos, não apenas na Colômbia, mas também no resto da região, incluindo governos onde, a partir de posições de esquerda, se pensa no desenvolvimento a partir do extrativismo. E é assim que, a fim de acabar com a atual dependência do petróleo para avançar em direção à um novo modelo de desenvolvimento, Petro propôs proibir novos projetos de exploração, bem como a exploração de depósitos não convencionais, parando de fracionar projetos-piloto e o desenvolvimento de depósitos offshore. Isto implicará em um enorme desafio, tanto econômico quanto institucional, para o novo governo.

Proibir novos projetos de prospecção de petróleo não é novidade, nem é irracional de um ponto de vista econômico. No mínimo, a atividade deveria ser proibida onde afeta a biodiversidade, tal como fez o governo de Belize quando decidiu proteger a barreira de corais da exploração offshore. A Costa Rica proibiu diretamente toda a atividade petrolífera em seu território, consolidando sua meta de emissões zero para o ano de 2050.

Além disso, medidas semelhantes podem ser vistas na Dinamarca, Espanha, Portugal, França e Irlanda, em uma Europa onde a transição energética é uma questão estratégica. Além das medidas excepcionais anunciadas para limitar a escassez a curto prazo, a invasão à Ucrânia confirma a irremediabilidade da mudança.

As proibições também surgem do outro lado do Atlântico. O governador do estado da Califórnia decidiu não outorgar novas licenças de fracking e interromper toda a atividade petrolífera até o ano de 2045. No Canadá, a província de Quebec não só avançou com a proibição de toda atividade de exploração em seu território, mas também decidiu que os bancos públicos não sigam financiando a indústria.

Estes exemplos mostram um novo tipo de política de transição, o que os economistas denominam de “oferta”, as quais frequentemente são complementadas por políticas que atuam sobre a tecnologia. Isto porque todo o investimento em combustíveis fósseis deveria ser evitado para impedir o bloqueio tecnológico (technological lock-in). O desenvolvimento não pode ser baseado em investimentos em processos e produtos do passado.

De uma perspectiva macroeconômica, deixar “o petróleo no subsolo” é a abordagem mais racional. Entretanto, este tipo de proposta são catalogadas como “infantis” ou diretamente “perigosas”, não apenas por muitos analistas financeiros, mas também por setores da esquerda latino-americana que militam a favor do neo-desenvolvimento e do neo-extrativismo. Para ambos os lados, a América Latina não tem escolha a não ser continuar com o modelo atual.

As energias limpas são competitivas e oferecem um serviço limpo, ao mesmo tempo em que permitem um acesso universal. As vantagens que ela oferece são benéficas para as maiorias e perniciosas para as petrolíferas. Tal como afirmou o Secretário Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, em um presente marcado pela guerra, o único plano capaz de garantir a paz e a prosperidade passa por deixar de financiar a indústria petrolífera.

Considerando a atividade em exploração, os principais bancos centrais começaram a implementar uma série de medidas que tendem a encarecer o custo do financiamento. Este tipo de medidas implica que se imponham maiores requerimentos de capital aqueles que contaminam.  A indústria petrolífera também é penalizada nas operações de mercado aberto, o que põe um fim à ideia da neutralidade de mercado vigente. Essas políticas monetárias têm como objetivo evitar que os mercados financeiros terminem confrontando variações abruptas nos ativos que administram e impedir que os investidores vejam o valor de seus ativos ser liquidado abruptamente.

Embora se tratem de medidas importantes, não resultam relevantes para a região, dado o subdesenvolvimento de seu mercado financeiro. Isto nos obriga a pensar em alternativas. Seria mais convincente impor algum tipo de controle sobre os fluxos de capital, estabelecendo uma exigência de reserva diferencial sobre os fundos, como o implementado pelo Chile na década de noventa. Tal exigência de reserva implicaria uma taxa sobre os fundos que entram para financiar a indústria petrolífera, redirecionando o tributo para o financiamento de energias limpas.

Obviamente, qualquer tentativa de introduzir um imposto de reserva ou impedir o financiamento poderia acabar gerando um argumento legal perante os tribunais arbitrais ad-hoc, como previsto pelo esquema de proteção ao investimento estrangeiro instaurado nos anos 90.

Apesar do comprometimento em matéria climática e do crescente risco de desastres climáticos, o soberano se vê impossibilitado de agir. Ainda quando a comunidade científica demonstrou a necessidade manter no subsolo a maioria das reservas, as empresas contaminantes continuam bloqueando a transação com demandas judiciais. 

Este tipo de atitude foi evidenciada na Holanda, quando o governo propôs avançar com o fechamento das centrais a carvão. Mas este caso não é excepcional. Recentemente, um grupo de dez países europeus decidiu modificar o Tratado do Capítulo Energético (ECT), enquanto a Espanha se tornou o primeiro membro da UE a propor a necessidade de abandonar o tratado por ameaçar a transição.

Diante da crise climática, cuja gravidade impacta a um número crescente de afetados, como demonstram os desastres produzidos por inundações ou deslocados pela secas, “segue-se protegendo a indústria que o gera”. Assim foi declarado por um coletivo de jovens em sua apresentação perante à Corte Europeia de Direitos Humanos, a fim de eliminar o Tratado de Energia. 

Os problemas gerados pelo extrativismo em vastos setores da população latino-americana são evidentes, e o ativismo é testemunha disso. Além das mortes associadas às catástrofes naturais, a região conta com um número recorde de assassinatos de líderes socioambientais. A gravidade da crise climática nos obriga a agir, mas também a olhar os conflitos de uma perspectiva diferente. Por esta razão, iniciar uma mudança institucional é um primeiro passo.

O que acontece na Europa deveria ser seguido de perto pelos governos latino-americanos, que deveriam iniciar processos de consulta para começar a reformular o marco legal assinado nos anos 90. Tudo isso deveria alertar os líderes da região sobre a necessidade de evitar a predominância de deixar a transição energética para o mercado.

Se Boric no Chile e Petro na Colômbia conseguirem levar adiante seus objetivos de campanha, os progressismos fósseis serão parte do passado.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar. 

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Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Estado e da Sociedade -CEDES (Buenos Aires). Autor de "Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.

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