No Latinoamerica 21, falamos muito sobre desigualdade, uma das piores máculas da América Latina. E é fato que nossa região continua a ser uma das mais desiguais do planeta. Reduzir a pobreza e a desigualdade foi, no começo do século, uma das prioridades políticas em alguns países latino-americanos, mas hoje essa tarefa parece ter sido de novo sobrepujada por outras preferências. Os novos governos de direita na região, com suas estratégias populistas e com as reformas tributárias que encetaram, claramente não parecem priorizar seriamente a redução da desigualdade. Isso deveria nos preocupar.
Uma desigualdade elevada não é indesejável apenas por questões éticas; também pode ser desastrosa em termos socioeconômicos”
Alguma desigualdade faz bem. Sem ela, os incentivos ao investimento, a acumulação de capital (tanto físico quanto humano), o esforço e a aceitação de riscos necessários desapareceriam. Mas quando a desigualdade é grande demais, seus custos começam a escapar ao controle. Uma desigualdade elevada não é indesejável apenas por questões éticas; também pode ser desastrosa em termos socioeconômicos. Uma desigualdade alta desmoraliza os cidadãos que dela padecem (os pobres), e pode reduzir o incentivo para que elevem sua produtividade, por exemplo por meio de estudo ou de um esforço maior no trabalho. E a desigualdade elevada afeta a todos. Rompe a coesão social, gera conflitos sociais e desemboca em conflitos políticos (que podem se tornar violentos), em populismos (tanto de direita quanto de esquerda), em corrupção e em políticas incorretas. Assim, a desigualdade conduz ao subdesenvolvimento institucional, que por sua vez reforça a dinâmica de concentração de renda. Um círculo vicioso que se intensifica e vem sendo a realidade de quase todos os países de nossa região ao longo de sua história.
Mas os custos da desigualdade vão ainda além. Hoje existe um indicador internacional muito reconhecido para avaliar o índice de desenvolvimento dos países nesse campo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), compilado e divulgado regularmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O IDH é um indicador que combina informações sobre produção per capita, educação e saúde. Com base nos dados do relatório do PNUD em 2018, a maioria dos países de nossa região apresenta índice de entre 0,6 e 0,85 (sendo 1 o nível máximo). A média da região é de 0,76, mas há diferenças importantes, é claro. Chile, Argentina e Uruguai estão no topo da lista, com IDH superior a 0,8, o que os posiciona como países de desenvolvimento humano muito alto. A Bolívia e diversos países centro-americanos têm IDH de entre 0,6 e 0,7, o que representa desenvolvimento humano médio. O Haiti, o país latino-americano com a pior classificação, tem IDH de 0,5, e é o único país da região com desenvolvimento humano baixo.
Avaliando os dados dos últimos anos, porém, nem todos os países da região vêm evoluindo de maneira semelhante. Enquanto em alguns países, como a Costa Rica e o Equador, o IDH mostra evolução constante, em outros o progresso parou, como no Paraguai, Colômbia, Venezuela e Brasil (que outrora liderava a região em termos de crescimento do IDH).
Ao estudar a evolução do IDH em todos os países do mundo nas últimas três décadas, é possível discernir um dos grandes custos da desigualdade. Como mostramos em uma pesquisa publicada recentemente pela revista científica Sustainable Development, uma análise detalhada dos danos revela que a desigualdade (tanto seu nível quanto sua evolução) é fator determinante para explicar o (sub)desenvolvimento humano (tanto seu nível quanto sua evolução). Em outras palavras, desigualdade parece causar subdesenvolvimento humano. Assim, quando os países enfrentam desigualdade maior, isso prejudica não só o desempenho econômico de todo o país como também seus níveis de educação e saúde. A mensagem é clara: se desejamos uma América Latina realmente próspera, a luta contra a desigualdade tem que voltar a ter prioridade máxima na agenda política de nossos governos.
Autor
Professor da Univ. Autônoma de Barcelona. Doutor em Economia pela Univ. de Barcelona. Mestre em Desenvolvimento pelo Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona (CIDOB). Especializado en economia internacional y economia urbana.