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Escravidão moderna: o tráfico de pessoas na América Latina

O tráfico de pessoas na América Latina é um crime complexo que explora milhões. A pobreza, corrupção e falta de cooperação agravam o problema.

O tráfico de pessoas é um dos crimes mais hediondos e dramáticos, com efeitos devastadores para suas vítimas. Além da exploração sexual e laboral, o alcance do tráfico se estendeu à exploração infantil, ao tráfico de órgãos e a outras formas de abuso que se tornaram mais visíveis nas últimas décadas, revelando a multidimensionalidade desse problema. Embora seja um flagelo que afeta pessoas em todo o mundo, a América Latina tem se mostrado particularmente vulnerável devido a uma convergência de fatores sociais, econômicos e políticos.

A nível global, as estimativas para 2022 revelam uma cifra alarmante de cerca de 50 milhões de vítimas de tráfico, o que representa aproximadamente uma em cada 125 pessoas no mundo. E na América Latina, a situação não é menos preocupante, dado o aumento constante no número de vítimas detectadas nas últimas décadas. E apesar dos esforços feitos por vários países para erradicar o tráfico de pessoas, o desafio persiste.

O problema persiste porque existem fatores estruturais como a pobreza, a desigualdade socioeconômica, a instabilidade política e a corrupção que permeia as instituições que contribuíram à perpetuação desse ciclo de exploração. Ademais, a cooperação internacional é limitada e há uma escassa vontade política que têm impedido a implementação de estratégias mais integrais e eficazes para abordar essa forma de “escravidão moderna”.

Uma região vulnerável

Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), na América Latina, o tráfico de pessoas se concentra principalmente no trabalho forçado e na exploração sexual. As mulheres constituem quase metade das vítimas, 87% das quais são exploradas sexualmente, sendo que mais de uma em cada dez são meninas. Os homens representam 57% das vítimas de trabalho forçado. A maioria dos casos de tráfico na região ocorre a nível doméstico e afeta 90% das pessoas de países sul-americanos ou vítimas dentro de seus próprios países.

Vários países latino-americanos, como Equador, Brasil, México e Colômbia, continuam funcionando como ponto de origem, trânsito e destino para vítimas de tráfico, tanto para exploração sexual quanto laboral, cujos grupos mais vulneráveis continuam sendo as crianças e os adolescentes. A complexa situação econômica e social da região aumentou os níveis de vulnerabilidade das pessoas ao tráfico, sendo os criminosos, em sua maioria, pessoas do núcleo familiar  do entorno social próximo das vítimas.

A pobreza estrutural na região é um dos fatores determinantes, que atua como principal força motriz do tráfico de pessoas. Em muitos casos, as famílias que vivem em condições de extrema pobreza caem facilmente nas armadilhas dos traficantes, que lhes prometem falsos empregos ou melhores oportunidades educacionais para seus filhos. Dentre os métodos de recrutamento e subjugação, os traficantes incluem aliciamento, falsas promessas de melhoria da qualidade de vida, retenção de documentos, ameaças de denunciar irregularidades migratórias e facilitação de dinheiro, hospedagem ou alimentação.

As pessoas mais vulneráveis são vítimas fáceis das redes de tráfico. No entanto, é um crime que não discrimina fronteiras, idade ou estratos sociais, pois as situações de vulnerabilidade dos países latino-americanos são transversais e convergem em uma “tempestade perfeita” que reduz drasticamente as opções de muitas pessoas, o que leva à sua exploração.

Países como Venezuela experimentaram crises econômicas e políticas que obrigaram milhões de pessoas a fugir em busca de um futuro melhor. Entretanto, muitos desses migrantes, sem status legal ou proteção adequada nos países receptores, encontram-se em uma situação de extrema vulnerabilidade que facilita sua exploração. Segundo a UNODC, mais de 7,7 milhões de venezuelanos abandonaram seu país nos últimos anos, muitos dos quais caíram nas mãos de traficantes que se aproveitam de sua precariedade.

Desafios para a resposta institucional

Cientes da magnitude do problema, alguns países latino-americanos adotaram legislações que cumprem com os padrões internacionais estabelecidos pelo Protocolo de Palermo, o principal tratado internacional para combater o tráfico de pessoas. Ao mesmo tempo, foram formadas iniciativas como a Rede Ibero-Americana de Promotorias Especializadas em Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes (REDTRAM), uma instância de colaboração informal entre Ministérios Públicos em investigações transfronteiriças. Ou ainda o projeto Track4Tip, que tentou unir vários países da região em torno desse problema. Entretanto, a luta frontal contra o tráfico parece ser insuficiente.

No México, por exemplo, embora a legislação seja sólida, os desafios em termos de coordenação institucional e coleta de dados sobre padrões de crime são enormes. A situação é similar em outros países, como Equador e Colômbia, que desenvolveram programas ambiciosos, mas cujo impacto real ainda não foi demonstrado.

A corrupção nas instituições governamentais é outro obstáculo à luta contra o tráfico de pessoas. Em vários países da região, os funcionários públicos são frequentemente cúmplices das redes de tráfico. Em outros casos, a falta de recursos, a escassa capacitação das forças de ordem e a ausência de uma estratégia institucional coerente contribuíram para a perpetuação do crime.

A cooperação internacional, um mecanismo essencial para o combate eficaz ao tráfico de pessoas, é outro desafio urgente, pois é um crime que transcende fronteiras. Nesse contexto, é prioritário estabelecer uma estratégia integral que não só atenda a criação e o fortalecimento de unidades policiais e de promotoria especializadas para a prevenção, investigação e atendimento às vítimas, mas que também tenha um enfoque centrada na vítima, bem como na cooperação eficaz entre agências, tanto a nível nacional quanto transnacional, seguindo as recomendações do Quinto Diálogo Técnico sobre Tráfico de Pessoas.

Tráfico: um problema de todos

É necessário vontade política e um forte compromisso para que o tráfico de pessoas seja considerado como prioridade na agenda pública. Isso requer uma maior alocação de recursos, uma intensificação das políticas públicas preventivas e um enfoque integral para abordar o desconhecimento generalizado sobre a magnitude e as dimensões desse crime.

Não se trata só de um desafio legal ou policial. Trata-se de uma crise humanitária que desafia a sociedade e demanda uma mudança cultural, em virtude da dignidade humana em detrimento do lucro econômico. Para isso, é fundamental promover uma conscientização coletiva sobre a importância de erradicar este flagelo. Só com um compromisso determinado e uma ação coordenada será possível evitar que os esforços continuem sendo fragmentados e insuficientes.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

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Doutor em Políticas Públicas pela Universidade IEXE (México). Pesquisador da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Assessor organizacional de forças policiais no México e consultor em segurança pública e privada.

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