A grande notícia não são os 26 chefões extraditados em agosto para os Estados Unidos para serem julgados por crimes cometidos no México e contra as sociedades dos dois países; nem que em fevereiro os primeiros 29 chefões foram extraditados e ficamos com a imagem do chefão Rafael Caro Quintero cabisbaixo e incrédulo após ter escapado da prisão estadunidense por décadas (agora, dizem, aguarda inquieto a pena de morte pelo assassinato do agente da DEA Enrique Kiki Camarena).
Não, a grande notícia é o que não diz a narrativa do governo diante do envio desses 55 personagens cuidadosamente selecionados pelas autoridades estadunidenses. E é que nesses grupos não há uma única pessoa da base política que lhes permitiu operar com absoluta liberdade em todo o território nacional, deixando um rastro de medo e morte. Será, pergunto, que essa cumplicidade é um mito, uma lenda urbana, uma invenção jornalística?
Lá está a sólida pesquisa acadêmica de Luis Astorga sobre as ligações entre política e crime organizado durante o século XX e o trabalho do jornalismo investigativo, que deixou registro dos nomes que estiveram e estão por trás dos cartéis e continuam operando apesar das baixas, prisões e extradições.
Alguns nomes vieram à tona na imprensa devido à pressão exercida por Donald Trump e seus mensageiros para que algumas figuras ativas no governo fossem entregues. No entanto, apenas os expoentes do braço operacional do crime organizado são extraditados.
A pergunta que muitos observadores se fazem é até quando a presidente do México, Claudia Sheinbaum, poderá continuar sem entregar alguns deles ou, melhor dizendo, em troca de quê ela não vai entregar os supostos narcopolíticos apontados pelas agências de segurança estadunidense.
Sheinbaum fala todos os dias em salvaguardar a soberania e afirma, veementemente, que se trata de algo inegociável, mas o que estamos vendo é o contrário: a soberania em matéria de migração é entregue quando destinamos recursos públicos para conter a marcha em direção ao vizinho do norte, a soberania é entregue quando cedemos em matéria de comércio, afetando nossos produtores, e, claro, a soberania em matéria de segurança é entregue quando os extraditados são enviados à justiça estadunidense em vez de serem julgados pelos crimes cometidos em território nacional.
Será que ainda vale o argumento de que o Poder Judiciário “está podre” e é o culpado por criminosos que cometeram os piores crimes contra a sociedade, após um tempo atrás das grades, voltarem às ruas, quando estamos prestes a inaugurar o novo sistema judicial com juízes, magistrados e ministros eleitos “democraticamente pelo povo do México” que evitarão que essa dinâmica perversa continue se repetindo?
Ou será que a pressão exercida por Kristi Noem, ao apontar um dos mensageiros que chegaram ao Palácio Nacional, é tanta que não se pode dizer não a ela?
É verdade que, na política, as decisões são sempre tomadas entre inconvenientes, privilegiando o bem maior para um país, mas esse bem maior tem nome e sobrenome? É disso que estamos falando quando se toma a decisão de que neste novo pacote de extraditados não haja nenhum suposto narcotraficante político? Será que há uma troca para não afetar a estrutura do poder político?
E se existe tal troca, está claro que a presidente mexicana já foi avaliada e que o governo Trump sabe onde pressionar para continuar obtendo benefícios. Então, o que Sheinbaum proclama de tomar decisões com “cabeça fria” é mais uma peça de propaganda que imediatamente repete e aplaude a representação e a comentocracia oficialista.
Estamos diante de uma cessão constante de soberania. Obviamente, não é mais como nos tempos de Antonio López de Santana, quando entregamos metade do nosso território aos Estados Unidos, mas trata-se de algo mais sutil por meio de acordos em matéria de migração, comércio e segurança nacional. É claro que com um discurso soberanista, quando as decisões e ações estão sendo tomadas no melhor estilo pragmático para proteger os interesses do grupo governante visível e invisível.
Então, ao ver as imagens dos extraditados, outrora caracterizados pela arrogância e prepotência de se saberem poderosos e protegidos por seus chefes de colarinho branco, imagino o pesar e a impotência que devem sentir por saberem que foram despojados de tudo ou quase tudo, quando alguns deles carregam seus bens em uma sacola plástica. Certamente eles nutrem o sentimento de traição que antes sentiram os extraditados em fevereiro, ao saberem que foram sacrificados enquanto outros gozavam de impunidade.
Eles devem sentir a pressão de ir para o desconhecido, embora com a esperança de serem absolvidos, como aconteceu com chefões iguais ou maiores que agora são testemunhas protegidas. Estes, sem dúvida, vão falar, e muito, sobre a narcopolítica no México.
E isso significará maior pressão sobre a presidente Sheinbaum, que a cada dia terá menos margem para defender seu povo e, suspeito, acabará entregando pelo menos alguns dos seus como jogada política para consolidar seu poder, hoje ofuscado pela declaração de Trump de que o México “faz o que os Estados Unidos pedem”.
Os tempos da administração Trump estão claramente definidos na agenda bilateral. Até agora, eles conseguiram cumprir seus objetivos e vão por mais. Em alguns assuntos, eles cuidarão das formas e, em outros, simplesmente tomarão decisões unilaterais, acabando com a ideia de que “o México é respeitado”.
Ao contrário de Sheinbaum, a quem essa pressão tira o sono, os presidentes Vladimir Putin ou Emmanuel Macron, e até mesmo Lula da Silva, têm maior margem de manobra, o que lhes permite respirar e resistir aos ataques dos Estados Unidos para ganhar tempo e negociar em melhores condições.
Caso contrário, que a presidente Sheinbaum responda: o que o México ganhou nestes meses de relação tempestuosa? Que ela não diga que ganhou tempo.