A política é um campo de batalha: por direitos, justiça, liberdade, igualdade e, sobretudo, por poder. Mas, no caso do México, muitas dessas batalhas também são de vida ou morte.
O sociólogo Pierre Bourdieu propôs uma perspectiva para entender a sociedade que tem sido muito influente e que pode nos levar a entender melhor a situação agonizante da política neste país.
Para o francês, a sociedade é diferenciada em universos sociais relativamente independentes uns dos outros, com suas próprias regras, práticas e produtos. Esses universos são o resultado de lutas históricas: pela independência, para ocupar uma posição dentro desses espaços, para reivindicar os benefícios que cada âmbito oferece, para reestruturar um campo contra forças dominantes.
No campo político do México, pode-se mencionar alguns exemplos de tais lutas. Com o lema “Terra e Liberdade”, Emiliano Zapata lutou pela justiça agrária e pela democratização da nação. Com sua traição e assassinato, o zapatismo passou a simbolizar uma luta até a morte contra a oligarquia em defesa da democracia, promovendo um programa de ação política muito influente que contempla ideias inovadoras, como a revogação de mandatos.
Outro caso é o de Hermila Galindo, que lutou pela igualdade e pelos direitos políticos das mulheres, tornando-se a primeira mulher membro do Congresso em 1952. Por sua vez, María García Martínez lutou pelo reconhecimento constitucional das mulheres como cidadãs, possibilitando sua eleição e, assim, abrindo a possibilidade de ocuparem uma posição no campo político. E muitas outras, como Amalia González Caballero, Esther Chapa Tijerina e Benita Galeana, lutaram pelo sufrágio feminino.
Em meados dos anos 1990, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) também se opôs à oligarquia, pegando em armas contra o regime neoliberal, ao qual se opunha aos ideais de democratização. Exigiram eleições democráticas e o reconhecimento da liberdade e da autonomia das comunidades indígenas, grupos prejudicados que se tornaram ainda mais vulneráveis pelo Acordo de Livre Comércio.
Como se pode ver, a política no México ser um campo de batalha torna-se uma afirmação literal. Enquanto o país passa por um processo de mudanças na presidência e em vários cargos públicos, há décadas a principal batalha tem sido contra o crime organizado, cuja interferência levou às campanhas eleitorais mais violentas da história do país.
Por um lado, há a violência político-eleitoral. Nos últimos meses, registrou-se vários casos de violência contra atores políticos. Agressões, assassinatos, sequestros, desaparecimentos e ameaças afetam não só os candidatos, mas também suas famílias, autoridades eleitas, funcionários públicos e ativistas partidários. Com esses ataques, grupos do crime organizado buscam assumir o controle das localidades.
Em várias partes do país, a autonomia e a segurança dos atores políticos não estão garantidas, o que leva a uma situação crítica. O número de agressões contra agentes políticos é alarmante: só alguns conseguiram escapar dos ataques. A frase que Eulalio Gutiérrez proclamou há mais de cem anos, volta a fazer sentido, mas em um contexto diferente: “A paisagem mexicana cheira a sangue”.
Por outro lado, há a violência sofrida por membros de comunidades específicas ocupadas por grupos criminosos. As ameaças e o silenciamento de ativistas políticos atuam em detrimento de eleições livres, além de colocar em risco a vida de muitos. Essa situação impossibilita que a arena política funcione adequadamente nesses territórios, pois dificilmente haverá eleições democráticas.
O que fica como lição das batalhas históricas é que os movimentos sociais, as lutas armadas e as lutas ideológicas podem ter repercussões cruciais, transformando ou minando a arena política. Não devemos nos esquecer de que a luta pela autonomia, independência de ação, o direito de admissão em um acampamento é uma luta perpétua e, neste país, já é uma luta pela própria vida.
Bourdieu nos ensinou que os campos sociais são compostos de algo pelo qual vale a pena lutar. No campo político, vale a pena defender e garantir a segurança dos atores que o integram, em particular frente à intrusão de interesses criminosos. Nessa luta, como disse um membro do EZLN há algum tempo, o que é realmente importante é a base social, pois “a arma que temem não é a arma de fogo, mas a da palavra”.
Autor
Mestre em Ciências em Metodologia da Ciência pelo Instituto Politécnico Nacional (IPN). Doutorado em Estudos Filosóficos e Sociais sobre Ciência e Tecnologia pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).