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México 2024: a eleição e a fúria

O paradoxo do maior processo eleitoral da história do México é que a fúria da violência, a fúria do discurso, a fúria da injustiça social, a fúria derivada da polarização, deixa os eleitores sem alternativas reais para tomar uma decisão.

Em 2 de junho de 2024, o México realizará a maior e mais violenta eleição de sua história. Por diferentes motivos, essa data poderia ser considerada um divisor de águas na história do país; entretanto, três dimensões reduzem as opções que os cidadãos têm para escolher.

1 – A falácia do modelo social

A primeira é o que eu chamaria de falácia do modelo social. Essa falácia tem sido alimentada por cada uma das três principais plataformas políticas que estão competindo pelo voto popular. As candidatas e o candidato à presidência são a face mais visível de um discurso, mas em que consiste?

A candidata Claudia Sheinbaum baseou sua campanha na celebração e na continuidade do modelo social implementado pelo atual presidente mexicano. Um modelo que é vendido como progressista e humanista, mas que, na prática, favorece o que ela tanto critica: a concentração de recursos no indivíduo, nesse caso, o destinatário dos programas sociais.

Por sua vez, a candidata Xóchilt Gálvez não conseguiu articular uma narrativa com uma clara posição crítica em relação aos programas sociais, mas também não defende uma proposta econômica para os diversos setores da sociedade que se sentiram deslocados por esses programas. Essa insuficiência a identifica com um modelo que já demonstrou seu fracasso.

Embora seja verdade que o candidato Jorge Álvarez Máynez tenha aproveitado as plataformas midiáticas, como os debates, para apresentar propostas concretas, também é verdade que elas seguem o modelo atual, com o mesmo resultado individualista, ou são propostas que não soam bem, mas que não são viáveis no curto prazo.

Assim, embora os três candidatos queiram se apresentar como defensores de um modelo social que levará o México a níveis mais altos de prosperidade e progresso, a verdade é que atualmente não existe um modelo que torne a justiça social uma realidade. Como resultado, o eleitorado fica sem opções reais para decidir.

2 – O aumento da violência político-eleitoral

A segunda dimensão é o contexto da violência: mais de 180.000 pessoas foram assassinadas durante os seis anos de mandato de López Obrador. Com relação aos processos eleitorais, o projeto Votar entre Balas da organização Data Cívica relata esses dados sobre a violência político-eleitoral em todo o México.

Até agora, em 2024, no momento em que este artigo foi escrito, um total de 59 candidatos ou candidatas foram vítimas de algum tipo de violência político-eleitoral: 22 delas foram assassinadas, 14 receberam algum tipo de ameaça, 10 foram sequestradas, 8 sofreram algum atentado, 4 foram atacadas com armas de fogo e 1 desapareceu.

Se adicionarmos a essa contagem funcionários, autoridades eleitas pelo povo, membros de partidos e até mesmo instalações políticas, o número de casos de violência política eleitoral aumenta ano a ano: em 2020 tivemos 78, em 2021 foram 178, em 2022 aumentou para 486, em 2023 temos o número mais alto com 575 e até agora em 2024 temos um total de 224 casos de violência política eleitoral.

As pessoas mais expostas a essa violência são as autoridades municipais: 76,5% do total. Uma possível explicação é que, em nível municipal, o crime organizado pode ter mais controle sobre o território, “decidindo” quem governa por meio dessa violência.

A violência político-eleitoral, especialmente em nível municipal, está se tornando uma tendência cujo resultado é que a eleição é resolvida antes de chegar às urnas. Assim, o eleitorado fica sem a liberdade de decidir.

3 – A polarização política

A terceira dimensão é a polarização. Outra característica das campanhas atuais tem sido a constante desqualificação, principalmente entre as candidatas. Mesmo em vários de seus spots de rádio e televisão, elas preferiram dar espaço à candidata da oposição para apontar suas “mentiras”. O uso de adjetivos como “mentirosa”, “corrupta”, “narcocandidata” e outros apelidos que cunharam mostra que o discurso eleitoral atual é baseado na estigmatização.

Não é por acaso que a candidata Claudia Sheinbaum não olha para nenhum de seus concorrentes durante os debates presidenciais. Essa atitude mostra que a polarização contemporânea é baseada e praticada por meio da estigmatização, que torna inimigos aqueles que pensam diferente e com os quais não há necessidade de diálogo ou consenso.

O conteúdo discursivo com o qual a polarização atual é construída tem levado a ações que vão desde a desqualificação moral por meio de adjetivos “geniais” até a retirada ou obstrução de direitos e liberdades daqueles que são considerados adversários por governos com tendências autoritárias.

A estigmatização implícita na polarização atual faz com que o outro ator político seja visto como não merecedor de direitos ou liberdades. Portanto, o eleitorado restringe suas opções a uma polarização ou outra.

O paradoxo do maior processo eleitoral da história do México é que a fúria da violência, a fúria do discurso, a fúria da injustiça social, a fúria derivada da polarização, deixa os eleitores sem alternativas reais para tomar uma decisão ou, pior ainda, no momento da votação, só nos resta a escolha da fúria. Veremos.

Autor

Professor-Pesquisador do Inv Center. de Comunicação Aplicada (CICA), Universidade Anáhuac México. Doutor em Filosofia Política. Coordenador do Projeto: Consolidação ou enfraquecimento da democracia na América Latina? na UNAM.

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