É possível prever o comportamento do eleitor semanas antes de uma eleição mediante a análise da sua atividade digital? No vertiginoso mundo das redes sociais, em que cada publicação, cada tweet, cada história do Instagram e cada vídeo do TikTok conformam um vasto mar de dados, a resposta parece tender-se ao sim.
Um estudo recente que analisou mais de 500 milhões de comentários públicos nas redes sociais ao longo de dois anos sugere essa conclusão. Esse imenso compilado de dados foi processado através de algoritmos avançados de Processamento de Linguagem Natural (NLP), uma tecnologia que permite que as máquinas analisem a linguagem humana. A pesquisa explorou a relação entre o perfil psicográfico dos usuários de redes sociais e suas atitudes em diversos aspectos, como economia, saúde, educação e, é claro, candidatos às eleições e sua intenção de voto.
Os textos escritos pelos usuários das redes durante a campanha refletem seus sentimentos e impressões, entre os quais identificam-se seis emoções principais: alegria, tristeza, surpresa, medo, ira e repulsa. Essa classificação é complementada por uma análise de sentimentos categorizados como positivos, negativos e neutros, para poder determinar sua projeção política. A discussão também é organizada a partir de um resumo dos grandes conjuntos de dados em temas predominantes nas conversas on-line, oferecendo uma visão clara do que preocupou e ocupou os usuários.
Surge assim, por exemplo, que Javier Milei, o candidato vencedor, gerou forte empatia em mais de 80% dos usuários de redes sociais, principalmente através de emoções como ódio e ira em relação à situação política e econômica do país. Em contrapartida, Sergio Massa, o candidato perdedor, transmitia principalmente medo do futuro, o que gerava um nível mais baixo de empatia. Esse enfoque revela a capacidade de prever tendências eleitorais através de social listening e NPL, bem como a força com que as emoções podem moldar a opinião pública.
A partir dessas tendências e alinhamentos emocionais, o estudo concluiu que Javier Milei tinha uma probabilidade significativa de se tornar presidente da Argentina, com uma certeza de 89%, segundo os modelos de análise. Essa conclusão mostra o poder do big data e da inteligência artificial e o surgimento de novas ferramentas para pesquisar o futuro político além da tradicional pesquisa de opinião pública. O estudo também joga luz sobre a importância do lado não racional e puramente afetivo ou intuitivo das eleições, bem como a identificação psicológica com os candidatos. O outsider Milei gerou uma atração quase “religiosa” entre os homens jovens, enquanto que os mais velhos preferiam a estabilidade e a previsibilidade oferecidas por Massa, um político tradicional e convencional.
Embora as pesquisas de opinião possam captar preferências e opiniões, a análise de dados de redes sociais oferece uma janela para as emoções subjacentes e as paixões que impulsionam essas opiniões. Mas esses avanços não vêm sem seus próprios desafios e dilemas éticos. A ideia de que as opiniões políticas e as inclinações de voto podem ser previstas com precisão mediante algoritmos levanta questões sobre a privacidade e o uso de dados pessoais. A interpretação dos dados coletados das redes sociais deve ser feita com cuidado, considerando não só o contexto e o significado por trás das palavras, mas também os possíveis vieses inerentes aos algoritmos e às amostras de dados. De fato, a nova tecnologia é usada por partidos políticos e candidatos para afinar suas estratégias de campanha, dirigir-se a eleitores indecisos e entender melhor as preocupações e os desejos de seus eleitores, mas também pode ser usada para manipular ou influenciar indevidamente a opinião pública, levantando dilemas éticos que devem ser abordados.
Esse avanço tecnológico, que nos permite olhar além dos números e das respostas superficiais das pesquisas, nos mostra a realidade multidimensional da opinião pública. Agora é possível decifrar não só o que as pessoas dizem, mas também como se sentem e por que se sentem assim. Essa compreensão emocional que fundamenta as decisões excede os simples dados demográficos ou afiliações políticas. O uso dessas ferramentas digitais também nos brinda – ademais – uma oportunidade única de observar como as opiniões políticas se desenvolvem e mudam em tempo real.
No passado, as mudanças na opinião pública geralmente só eram evidentes com mudanças objetivas nos resultados eleitorais ou, em um prazo ainda maior, através de variações estruturais que revelavam mudanças na classe social ou o surgimento de novas clivagens, como as religiosas, étnicas ou regionais. Agora, por outro lado, podemos ver como um discurso, um evento ou até mesmo um escândalo pode influenciar a percepção pública quase instantaneamente e gerar alterações drásticas no quadro das preferências de voto.
Tudo isso abre questões interessantes sobre o futuro das campanhas políticas: como os candidatos e os partidos equilibrarão a coleta e a análise de dados com a necessidade de manter um enfoque genuíno e autêntico em suas interações com os eleitores? Como isso afetará o modo de formular as políticas e de abordar as preocupações dos cidadãos?
Enquanto entramos nessa nova era, é essencial lembrar que, por trás de cada tweet, comentário e publicação, há uma pessoa com suas próprias experiências, crenças e emoções. A capacidade de prever o comportamento eleitoral com semanas de antecedência não é só uma questão de analisar dados; é uma questão de entender as pessoas. E nessa compreensão está o verdadeiro poder dessas ferramentas, um poder que, se usado sabiamente, pode melhorar significativamente nossa compreensão da democracia e da participação cidadã na era digital.
Texto apresentado no congresso SAIMO-CEIM no painel de estudos de opinião pública coorganizado pela WAPOR América Latina.
Autor
Doutor em ciência e tecnologia pela Universidade Central da Catalunha, mestre em Marketing pela Universidade de San Andrés e em inteligência artificial pela Universidade Politécnica da Catalunha. Diretor e Fundador da Reputación Digital, consultoria especializada em “escuta social”.