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O impacto das emoções na hora de votar

Um dos principais desafios no estudo do comportamento humano e dos fenômenos sociais é conciliar a lacuna entre o que as pessoas dizem nas pesquisas que pretendem fazer e como acabam agindo. Muitas das perguntas em pesquisas e entrevistas obrigam as pessoas a racionalizar comportamentos, anulando as reações emocionais ou impensadas, o que limita a leitura do que é observado.

Em diferentes contextos, dentro e fora de nossa região, encontramos que as pesquisas eleitorais têm enormes dificuldades para prever resultados, sobretudo quando surgem outsiders que geram um desequilíbrio no status quo. Algo parecido aconteceu na Argentina, onde as pesquisas não retrataram com precisão o que ocorreu no comportamento do eleitorado. É verdade que muitas delas evitam o manual convencional de metodologia, já que realizar pesquisas com amostras sólidas é caro e os orçamentos são limitados. Além disso, o país não conta com dados de censo atualizados para trabalhar com um marco amostral de qualidade. E não se pode ignorar que muitos agentes que surgem como “pesquisadores” são, na realidade, assessores políticos majoritariamente interessados em mostrar dados que favoreçam seus clientes.

Mas as eleições também mobilizam emoções que as pesquisas tradicionais não conseguem medir adequadamente. Ainda mais quando, dias antes das eleições, mais de um terço do eleitorado ainda tem altos níveis de indecisão. Isso exige provar novas ferramentas que podem explicar essa lacuna entre o que as pessoas dizem (intenção racionalizada) e o que realmente fazem (voto emocional), amparando-se, por exemplo, no modelo de Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel de economia. Para Kahneman, até 90% de nossas decisões não são pensadas ou racionalizadas (característica do Sistema 2), mas são rápidas, intuitivas, implícitas (próprias do chamado Sistema 1). Ferramentas que trabalham com o Sistema 1 complementam as visões tradicionais (geralmente do Sistema 2), buscando incorporar essa compreensão implícita e emocional do comportamento humano. 

Além da tradicional verbalização declarativa, é necessário entender o eleitor a partir de uma perspectiva emocional, complementando a mais racional. Um experimento que avaliou o papel dos afetos na eleição argentina permitiu identificar corretamente os candidatos que foram às urnas e projetar uma intenção de voto de 54% para Javier Milei e 46% para Sergio Massa, valores próximos ao resultado do segundo turno. Massa, o candidato do governo, entra no segundo turno por um voto estratégico: a maioria vota nele por medo de que alguém pior vença. A motivação é puramente racional. Também gera muita rejeição (emoções negativas): 45% nunca votariam nele, comparando com os 29% que rejeitavam Milei. Isso significou um teto no segundo turno. O voto ao opositor, Milei, era mais decidido: 76% votaram nele com convicção. Isso não significa que o gatilho foi puramente sentimental. A maioria o elegeu por suas ideias econômicas, embora alguns refletissem um desencanto geral com a política. No caso de um segundo turno, os estudos coincidiam em indicar que Milei se beneficiava desproporcionalmente dos votos de Patricia Bullrich, candidata da oposição JxC que ficou em terceiro lugar (e de muitos do peronista Schiaretti, que ficou em quarto). 

Mas, além desses indicadores usuais, outras ferramentas permitiam antecipar o triunfo de Milei. Uma delas é chamada IRT (Implicit Response Testing), que utiliza um algoritmo para medir o tempo de resposta e avaliar o nível de apego a um estímulo, nesse caso, a intenção de voto. Em geral, o algoritmo produz uma média de 70% de respostas implícitas (rápidas e automáticas). No caso de Milei, a porcentagem de resposta implícita foi de 74%, o que reflete uma base de eleitores mais decidida. A intenção de voto para os demais candidatos, incluindo Massa, foi em média de apenas 56%, um valor baixo que reflete menor compromisso. A rapidez de adesão capta o envolvimento emocional dos eleitores.

Outra ferramenta derivada da semiologia visual busca comparar a imagem de cada candidato com o ideal. Utilizando um banco de imagens com mais de 9.000 exemplos pré-codificados em sua valorização sentimental, pede-se a cada eleitor que escolha 10 imagens que expressem como um determinado estímulo, no caso um candidato, o faz sentir. Só escolhem imagens cuja composição afetiva ou emocional já foi categorizada, sem precisar explicar o motivo da escolha e, assim, isentando-os de um esforço de racionalização. Inconscientemente, cada indivíduo exibe uma colagem de suas emoções em relação a cada candidato, e a agregação dos resultados de todos os indivíduos permite compor um mapa emocional do candidato. As figuras associadas ao candidato ideal invocam imagens luminosas, positivas, que comunicam satisfação com a competência, a inteligência e as demonstrações de autoridade através do seu conhecimento técnico. Mas, na Argentina do segundo turno, nenhum dos candidatos reais se aproximou desse ideal, inclusive em seus núcleos mais fiéis. Tanto Milei quanto Massa eram vistos como agressivos e com limitada autoridade dominante (essa autoridade técnica estava um pouco mais associada a Milei do que a Massa, em função da atribuição de expertise na economia). Mas o uso dessa ferramenta revelou que a principal diferença entre os dois candidatos foi a associação de Massa com imagens que transmitiam um excesso de exigências. O que os eleitores interpretaram com suas referências pictóricas foi que, para Massa, a presidência encarnava um projeto pessoal (fazendo com que o eleitor se sentisse em dívida com seu voto nele). Massa era desvinculado de uma potencial contribuição para construir o futuro do país. Por outro lado, Milei era vinculado a um elemento de vulnerabilidade e proximidade, o que o tornava mais humano.

Os processos eleitorais caracterizados por alta incerteza, a aparição de um outsider e o desencanto geral com a política são especialmente sensíveis ao peso das emoções. Isso dificulta prever os resultados quando se parte de uma abordagem exclusivamente convencional, partindo do pressuposto de que as pessoas reagem só a um cálculo de custo-benefício e que suas intenções antecipam 100% suas condutas futuras. É hora de entender melhor o contexto global em que ocorrem as respostas nas urnas e reconhecer a força com a qual as emoções se refletem no voto.

*Texto apresentado no congresso SAIMO-CEIM no painel sobre estudos de opinião pública co-organizado pela WAPOR América Latina.

Autor

CEO de Maru Latin America, agencia de investigación de mercado. Licenciado en ciencia política por la John Hopkins University, estudió política económica en la London Schools of Economics.

Directora de cuentas en Maru Latin America, agencia de investigación de mercado. Graduada en sociología por la UBA, Argentina.

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