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O fantasma dos ultraprocessados no Natal

Do ponto de vista da saúde pública, a dependência de ultraprocessados aumentará a carga de doenças não transmissíveis, além dos custos sociais e econômicos associados.

Era véspera de Natal em um vilarejo andino onde a alegria brilhava em cada canto. Luzes pendiam das varandas coloniais, as praças ressoavam com canções de natal e os mercados estavam repletos de clientes buscando o necessário para as celebrações. Entretanto, sob essa atmosfera, uma sombra pairava sobre as tradições: o crescente consumo de produtos ultraprocessados. Como o avarento Scrooge em Um Conto de Natal, nossas sociedades parecem ser capturadas por armadilha do fácil, do industrializado e do rápido, em detrimento da riqueza cultural e da saúde.

O Natal, desde os tempos coloniais, tem sido uma celebração profundamente enraizada na cultura latino-americana. Cada região trouxe à mesa tradições únicas, muitas delas fundindo elementos indígenas, africanos e europeus. O tamale, símbolo de resistência cultural, era preparado com milho nativo, envolto em folhas de bananeira, cozido lentamente e compartilhado com orgulho. O peru, o leitão ou as hallacas contavam histórias da terra e do trabalho coletivo.

As sobremesas também tinham sua própria narrativa: doce de leite, biscoitos amanteigados e bolinhos fritos eram feitos em casa, passando segredos de geração em geração. A culinária natalina era um ato de resistência à padronização global. A comunidade se reunia não só para comer, mas para cozinhar junto, criando um tecido social indissolúvel.

Com o avanço do século XX, surgiram os supermercados, as marcas globais e a promessa de conveniência. As receitas tradicionais começaram a competir com produtos embalados que prometiam um “sabor natalino” em minutos. A antropologia nos ensina que a comida não é só nutrição; é identidade. Cada pacote de biscoitos industrializados ou garrafa de refrigerante substituiu algo mais profundo: o ato de preservar a família e as histórias territoriais.

Hoje, em muitos lares da América Latina, o cenário é diferente. As mesas natalinas ainda estão cheias, mas a comida mudou. Os produtos ultraprocessados dominam: pães industriais, embutidos, refrigerantes e sobremesas embaladas substituem o que antes era fresco e artesanal.

Por que nos esquecemos das tradições culinárias? 

Com a globalização, os alimentos ultraprocessados são mais acessíveis e o bombardeio publicitário reforça a ideia de que esses produtos são parte de um Natal moderno e globalizado. A comida atua como um marcador cultural e, em vez de reforçar as identidades locais, os ultraprocessados homogeneizam as experiências. 

Em termos de saúde, os dados são alarmantes. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a América Latina tem um dos maiores consumos de ultraprocessados do mundo. Em datas comemorativas como o Natal, esse consumo dispara, com efeitos imediatos e de longo prazo: obesidade, diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares.

Ademais, essa mudança afeta de maneira desproporcional as comunidades mais vulneráveis. As famílias de baixa renda, atraídas pelos baixos custos e pela alta disponibilidade, são as que mais consomem esses produtos, perpetuando ciclos de pobreza e doenças.

O que acontecerá se continuarmos assim? 

Da perspectiva cultural, o futuro pode ser sombrio. Em uma geração, as receitas ancestrais poderão se perder. As crianças crescerão sem conhecer o sabor de um bolinho caseiro ou de um tamale feito de milho nativo. Os mercados locais, onde os pequenos produtores ainda oferecem ingredientes frescos, podem desaparecer, substituídos por grandes redes.

O impacto não é só gastronômico;é também identitário. A comida é uma das formas mais tangíveis de nos conectarmos com nossa história e território. Na América Latina, onde as raízes indígenas, africanas e europeias se entrelaçam em cada prato, o abandono das tradições alimentares também significa um enfraquecimento de nossa memória coletiva.

Do ponto de vista da saúde pública, a dependência de ultraprocessados aumentará a carga de doenças não transmissíveis, além dos custos sociais e econômicos associados. Famílias inteiras poderão enfrentar problemas crônicos de saúde, reduzindo sua qualidade de vida e sua capacidade de contribuir plenamente para suas comunidades. Ademais, os ultraprocessados têm uma pegada ambiental muito maior do que os alimentos locais e frescos. 

Como Scrooge, ainda há tempo para mudar de rumo. A solução não é tentar eliminar a modernidade, mas sim tentar nos reconciliar com nossas raízes. Como? Valorizando o local e reivindicando as receitas de família para reduzir o consumo de ultraprocessados. Isso seria um ato de resistência cultural e, como Scrooge, podemos acordar em um mundo cheio de sabor, saúde e comunidade, lembrando que nossas tradições são o bem mais valioso que podemos oferecer.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

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Doctoranda en Ciencia Política en el Instituto de Estudos Sociais e Políticos de la Univ. do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Magíster en Ciencia Política por la Univ. Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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Nutricionista pela PUCE e Especialista em Saúde Pública pela USFQ, diplomada em Políticas Públicas pela FLACSO. Coordenou projetos de saúde reconhecidos pela OPAS e trabalhou como consultor internacional. Atualmente é professor da PUCE, com foco em nutrição comunitária e saúde pública.

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