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O nexo entre clima, biodiversidade e água: a proteção dos serviços ecossistêmicos na América do Sul

Os serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que a natureza proporciona às pessoas, dependem da conservação, do uso sustentável e da restauração da natureza.

Nos últimos anos, incêndios florestais de grandes proporções e recordes históricos devastaram regiões em todo o mundo, incluindo a Austrália em 2019-2020, o Canadá em 2023 e, mais recentemente, o Brasil, outros países da América do Sul e a Califórnia nos EUA. No Brasil, incêndios na Amazônia e no Pantanal – a maior área úmida tropical do mundo – destruíram mais de 20 milhões de hectares em 2024, enquanto na Bolívia, pelo menos 4 milhões de hectares foram queimados. Ao tornar as condições atmosféricas mais quentes e secas, as mudanças climáticas aumentam o risco de incêndios, causando trágica perda de vidas humanas, prejuízos econômicos extremamente altos e perda massiva de biodiversidade, com a destruição de inúmeras espécies de plantas e animais e outras formas de vida. 

Não há evidências científicas de que a tendência da mudança climática se reverterá nos próximos anos. Pelo contrário, ela continuará, provavelmente levando à escassez de água e alimentos, ao desaparecimento de florestas nativas, a menos abelhas para polinizar as plantações e a menos lugares naturais para desfrutarmos. Em outras palavras, a aceleração da mudança climática e os incêndios resultantes em todo o mundo não estão apenas causando um enorme impacto na perda de biodiversidade, mas também diminuindo, em ritmo acelerado, os serviços de ecossistema, como a regulação da quantidade e da qualidade da água doce, da qual depende o bem-estar humano.

Os serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que a natureza proporciona às pessoas ou, em termos mais simples, tudo o que a natureza faz para nos ajudar a ter uma vida saudável e confortável, dependem da conservação, do uso sustentável e da restauração da natureza. Um futuro com serviços ecossistêmicos em declínio é um futuro de diminuição da qualidade de vida e aumento da desigualdade, pois a escassez de alimentos, energia e água será a regra e não a exceção. As populações já vulneráveis nas áreas rurais e urbanas sofrerão desproporcionalmente os impactos da perda de serviços ecossistêmicos. Em poucas décadas, espera-se que a mudança climática seja a principal causa da perda de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, levando ao que é conhecido como injustiça climática. Os desastres naturais intensificados pela mudança climática, como furacões e inundações, na América Latina e no Caribe, triplicaram nos últimos 50 anos. Os desastres podem reduzir o PIB em até 0,9% nos países de baixa renda do continente, enquanto no Caribe podem destruir 3,6%. A mudança climática também provocará a migração de 17 milhões de pessoas até 2050.

Além de reduzir o consumismo (o alto nível de consumo de bens e serviços além das necessidades essenciais) e o uso de combustíveis fósseis, as soluções baseadas na natureza estão entre as melhores opções que temos em mãos como sociedade global para combater as mudanças climáticas. Elas consistem em ações que usam a natureza e os processos naturais para resolver problemas ambientais, por exemplo, restaurando ou protegendo florestas para ter água limpa ou absorver carbono para combater as mudanças climáticas. Essas soluções podem melhorar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, beneficiar as pessoas, tornando as comunidades mais saudáveis e mais resistentes a desafios como as mudanças climáticas.

Um exemplo de uma solução baseada na natureza é a iniciativa em andamento conhecida como Projeto de Conservação da Águas de Extrema, no município brasileiro de mesmo nome. Ele é considerado um modelo bem-sucedido de Pagamento por Serviços Ecossistêmicos (PES), no qual os agricultores e proprietários de terras locais são compensados pela conservação e restauração de áreas florestais que protegem as fontes de água. O projeto teve início em 2005 e ganhou atenção ao longo dos anos por seu papel no aumento da disponibilidade de água para as áreas urbanas vizinhas, incluindo a área metropolitana de São Paulo. Essa iniciativa restaurou mais de 5.000 hectares de florestas, protegendo a biodiversidade e melhorando a disponibilidade de água para a região metropolitana de São Paulo.

Situada no estado de Minas Gerais, Extrema prioriza a conservação da água na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). O projeto oferece incentivos financeiros – cerca de US$ 70 por hectare anualmente – a proprietários rurais para restaurar áreas degradadas, proteger nascentes e adotar práticas sustentáveis como a agrofloresta. Até o momento, o projeto beneficiou mais de 2.500 famílias, melhorou as condições agrícolas e aprimorou os serviços ecossistêmicos, como a filtragem de água e a resistência à seca.

As principais ações desse projeto incluem o plantio de mais de 80 espécies de árvores nativas para restaurar as zonas ribeirinhas e melhorar o ciclo da água, a coleta de água da chuva, o controle da erosão, a agricultura sustentável e o uso de imagens de satélite e inspeções de campo para garantir a conformidade com as metas ambientais.

A iniciativa se baseia na liderança municipal, no envolvimento das bases e em um modelo de governança de baixo para cima, promovendo a confiança e a participação de longo prazo. Ela integra tecnologias avançadas como sensoriamento remoto, imagens de satélite, GIS (Sistemas de Informações Geográficas) e sistemas de irrigação inteligentes para o gerenciamento eficiente de recursos.

O projeto Extrema compartilha semelhanças e diferenças com iniciativas de PES em outros países. Comparado ao PES da Costa Rica, que, desde a década de 1990, começou a compensar os proprietários de terras pelo reflorestamento, conservação da biodiversidade e proteção da água, o Projeto Extrema também usa os mesmos modelos de incentivos financeiros financiados por usuários de serviços ambientais (por exemplo, empresas de energia hidrelétrica) para promover práticas sustentáveis. Diferentemente do primeiro, que opera em nível nacional, o projeto Extrema é mais localizado e concentrado em uma bacia hidrográfica específica (a Bacia do Rio Jaguari). O projeto também enfatiza a colaboração direta com outros municípios dentro dessa bacia hidrográfica, promovendo uma melhor abordagem de governança regional. 

O Fundo de Água do Equador financia projetos de conservação nos Andes para proteger as fontes de água para consumo urbano. Tanto essa iniciativa quanto a de Extrema alavancam os beneficiários a jusante para financiar a conservação a montante. As diferenças são que a última incorpora amplos esforços de reflorestamento e agrossilvicultura, enquanto o modelo de Quito se concentra mais na manutenção dos ecossistemas existentes por meio do envolvimento e da educação da comunidade.

O Sloping Land Conversion Program da China compensa os agricultores pela conversão de terras agrícolas degradadas em florestas ou pastagens para combater a erosão e melhorar a retenção de água. Tanto esse projeto quanto o de Extrema são semelhantes na abordagem da segurança hídrica por meio do reflorestamento e do controle da erosão, visando paisagens vulneráveis. No entanto, Extrema enfatiza muito o envolvimento das partes interessadas locais e integra práticas agrícolas tradicionais, enquanto o SLCP da China funciona mais como uma política de cima para baixo.

Essas comparações destacam o importante papel do projeto de Extrema no Nexo Clima-Biodiversidade-Água e seu potencial para servir de modelo para regiões com estresse hídrico, como Nairóbi ou Cidade do Cabo, onde a demanda urbana por água sobrecarrega as frágeis bacias hidrográficas.

O Projeto de Conservação de Água de Extrema demonstra como esforços localizados e centrados na comunidade podem enfrentar os desafios interconectados das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da escassez de água. A ampliação dessas iniciativas em escala global pode aumentar a resistência contra condições climáticas extremas, como incêndios florestais, conservar ecossistemas e promover o acesso equitativo aos recursos.

Aqui, pedimos seu apoio para políticas que reproduzam soluções transformadoras como Extrema, garantindo práticas mais sustentáveis em sua comunidade, como a restauração da vegetação nativa, programas de reciclagem e compostagem e coleta de água da chuva. Compartilhar histórias de sucesso pode inspirar ações coletivas para um futuro sustentável.

*Um texto produzido em conjunto com o Instituto Interamericano para la Investigación del Cambio Global (IAI). As opiniões expressadas nesta publicação são as dos autores e não necessariamente as de suas organizações.

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar.

Autor

Professor Emérito da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. Presidente da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos/BPBES. Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Pesquisadora Principal do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM) da UNICAMP, Brasil. Membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Foi copresidente da Avaliação Regional da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) para as Américas (2015-18).

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