Co-autora Renata López
Nós mulheres temos sofrido historicamente lacunas no mundo laboral, que apesar dos avanços, se aprofundaram durante a pandemia. Portanto, um dos grandes desafios para a recuperação social e econômica é atender os direitos trabalhistas das mulheres e que o Estado se encarregue de garantir que possamos gerar nossa própria renda, alcançar autonomia e ter oportunidades de emprego com condições seguras de trabalho.
As lacunas que muitas mulheres sofrem, no Chile e no resto da América Latina, são desafios que devem ser assumidos, não só em uma esfera geral, mas também devem ser enfrentados a nível subnacional. Portanto, é necessário não apenas se debruçar sobre a realidade chilena em geral, mas o problema deve ser abordado de maneira descentralizada e com uma perspectiva territorial.
Em primeiro lugar, deve-se assinalar que a desigualdade na participação laboral feminina é produto da divisão sexual do trabalho. Tradicionalmente, as mulheres têm realizado o trabalho de reprodução e cuidado (sem remuneração), serviços e comércio, enquanto em áreas como indústria, agricultura e mercados financeiros a força de trabalho é composta, majoritariamente, por homens. Em 2010, no Chile, os homens atingiram uma participação laboral média de 74,2%, enquanto as mulheres atingiram 46,8%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2021).
Durante a última década, as mulheres aumentaram progressivamente sua participação no trabalho remunerado. Entre novembro de 2019 e dezembro de 2020, a participação laboral feminina alcançou seu valor máximo de 53,3%. Mas esse aumento foi afetado pela crise sanitária e economia produzida pela Covid-19, de tal maneira que para o trimestre abril-junho de 2020 a participação das mulheres reduziu para 41,2%, enquanto os homens chegaram a 62,7%. Embora entre novembro e dezembro de 2020, com o avanço da pandemia, a participação feminina tenha aumentado para 45,3%, é evidente que houve um retrocesso quando comparado ao cenário anterior à crise sanitária.
Quase um terço das mulheres mencionaram como razão principal para não participar no mercado laboral a situação familiar permanente, ou seja, a necessidade de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados (INE, 2021). O impacto econômico e trabalhista sobre as mulheres é importante devido a muitos lares serem encabeçados por mulheres, por isso a poupança rapidamente se esgota e cresce o endividamento dessas famílias, segundo o Banco Central do Chile (2021).
Mas além da pandemia, um dos grandes desafios na participação desigual do trabalho entre homens e mulheres é a conciliação da vida laboral e familiar. Portanto, as políticas de reativação laboral com foco nas mulheres devem acompanhar a institucionalização de um sistema de cuidados que permita pôr fim às lacunas que vêm das questões estruturais. Por exemplo, os trabalhos de cuidado têm sido historicamente uma responsabilidade exclusiva das mulheres, o que se traduz em jornadas laborais extremas no caso de mulheres que também têm trabalhos remunerados.
No entanto, a realidade das mulheres é heterogênea. As lacunas de gênero variam à medida que outros fatores aprofundam essa desigualdade. No caso de La Araucanía, — a região mais pobre do Chile e onde há anos há um profundo conflito entre o Estado e o povo Mapuche — existe uma crise multidimensional com 17,4% de pobreza e 5,9% de pobreza extrema que a coloca entre as regiões mais desfavorecidas a nível nacional.
A pesquisa de Caracterização Socioeconômica Nacional (CASEN, 2020) indica que nessa região 61,5% das mulheres se encontravam inativas laboralmente e 32% delas indicaram que a principal razão para não procurar trabalho são as tarefas domésticas e o cuidado de terceiros. Um relatório do Observatório Laboral de La Araucanía (2021) indica que a participação laboral feminina antes da pandemia chegou a 48% e que, devido à situação sanitária, nos últimos trimestres de 2020 isso foi reduzido para 36%. Além disso, desde que começou a crise, 42 mil empregos para mulheres foram perdidos na região e apenas 19 mil foram recuperados.
No Chile existem políticas de inserção laboral para mulheres a cargo do Ministério da Mulher e da Equidade de Gênero como, por exemplo, os programas “Mulheres chefas do Lar em La Araucanía Mujeres jefas de Hogar en La Araucanía”, “4 a 7” ou “Mujer Emprende y Buenas Prácticas Laboral”. Embora essas políticas possam contribuir para enfrentar os desafios da reativação econômica e trabalhista, certamente não são suficientes. Diante do novo contexto da pandemia, é necessário também redesenhar as políticas, revisar seus instrumentos e distribuição de recursos com uma perspectiva regional, bem como, é importante que o Estado reconheça as atividades de cuidado e de trabalho doméstico. Também precisam ser tomadas decisões que levem em conta as diferenças regionais e atendam suas desigualdades específicas.
A situação de emprego das mulheres teve um grande retrocesso pela pandemia e o impacto foi maior para mulheres com dificuldades estruturais que não podem alcançar autonomia econômica e pleno desenvolvimento laboral. Por isso, o avanço para uma co-responsabilidade efetiva, o fim dos estereótipos de gênero e a segurança laboral e proteção social de quem realiza trabalhos de cuidado são um passo urgente.
Renata López Martínez é estagiária do Centro de Políticas Públicas da Universidade Católica de Temuco. Estudante de Serviço Social da Universidade Católica de Temuco.
Foto de lauritadianita em Foter
Autor
Professora do Centro de Políticas Públicas da Universidade Católica de Temuco (Chile). Administradora Pública pela Universidade de Santiago do Chile. Mestre em Pesquisa em Políticas Públicas por FLACSO-Equador.