Um relatório recente da Organização Meteorológica Mundial (OMM) destaca que os gases de efeito estufa (GEE) alcançaram níveis recordes: 50% a mais durante o período 1990-2021. Além de mostrar os níveis extremos de dióxido de carbono abrigados na atmosfera, o relatório destaca o perigoso aumento das emissões de metano: embora permaneça menos na atmosfera, seu efeito sobre a mudança climática é muito mais pronunciado. Mais preocupante é a tendência que projeta: vamos queimar nos próximos anos.
Segundo o último relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), a invasão da Rússia na Ucrânia acarretou uma corrida por novos projetos petrolíferos. O aumento no preço dos combustíveis fósseis proporciona às petroleiras lucros extraordinários, a um grau que o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, não para de denunciar, ao mesmo tempo em que clama por impostos extraordinários.
O maior custo energético, no entanto, poderia acelerar a transição energética, como argumenta o diretor executivo da AIE, Fatih Birol. Esta afirmação se fundamenta em fatos, como as mudanças provocadas pelo surgimento de novos pacotes verdes, como a lei de redução da inflação introduzida pelo governo de Joe Biden nos EUA, a bateria de medidas introduzidas pela União Europeia ou os novos pacotes de Japão, Coréia do Sul, China e Índia. Em resumo, mesmo que alguns celebrem uma maior produção e outros saem em busca de gás em cada canto do planeta, tanto produtores quanto compradores sabem que o pico dos fósseis está bem próximo.
Deixando as promessas de lado, o certo é que, se os níveis atuais de produção e consumo continuarem, as projeções seguirão catastróficas, como mostra o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Lacuna de emissões 2022: a janela que se fecha, PNUMA, 2022. Considerando os compromissos assumidos pelos países em Paris em 2015 – as denominadas contribuições nacionais determinadas (NDCs) – estamos caminhando para um índice de emissões que gera um aumento de 2,5°C na temperatura média do planeta.
Os efeitos que o aumento de 1,2°C têm causado em 2022 são evidentes: um terço do Paquistão está debaixo d’água, as calotas polares estão derretendo e a Groenlândia está perdendo seu permafrost, como a camada de solo permanentemente congelada é conhecida. Tudo isso implica uma elevação nos níveis do oceano, o que repercute nas cidades costeiras do mundo todo. A indústria de seguros sabe disso. Por isso, deixou de segurar muitas casas nas zonas costeiras dos EUA.
Como mostram os últimos relatórios do painel internacional de especialistas em mudança climática (IPCC, 2022), o principal obstáculo é político. É necessário novas regulações e impostos, assim como um redesenho do sistema financeiro. E isto não é só responsabilidade dos países desenvolvidos: na região, a indústria petrolífera recebe recursos substanciais, enquanto se beneficia de grandes subsídios. A transição não pode ser deixada na mão do mercado, são os Governos locais que devem fixar metas e canalizar fundos.
Estes relatórios repercutirão, sem dúvida, em Sharm El Sheikh, Egito, onde acontecerá a 27ª Conferência das Partes (COP). Várias delegações da região irão destacar o papel que a América Latina pode desempenhar no mercado energético como provedor de gás natural. O entusiasmo não só reflete os preços, mas também a declaração da UE de considerar o gás como sustentável. A urgência não só encobre o que é importante, mas também justifica as inconsistências.
Os sinais equivocados podem, lamentavelmente, terminar levando a decisões errôneas. Uma série de relatórios do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) levanta os altos riscos financeiros de embarcar nestes projetos: ativos irrecuperáveis. Um relatório recente do PNUMA, O gás natural é um bom investimento para a América Latina e o Caribe?, destaca como seria errado avançar nessa direção.
Levando em conta tanto o econômico quanto o social, o relatório destaca que os benefícios são significativamente menores do que aqueles que gerariam ao avançar com a transição. Avançar com as renováveis poderia criar três milhões de empregos, além de gerar avanços tecnológicos em direção a cadeias de valor mais dinâmicas. Pensando nas necessidades energéticas da região, avançar com as energias renováveis implicaria uma economia milionária de milhões, resultado da queda contínua nos preços dos equipamentos.
Mas nas decisões públicas, o curto prazo é primordial e não existem fendas ao aplaudir o extrativismo. Certamente os preços enviam sinais favoráveis, mas as decisões de investimento são regidas pela rentabilidade. São os Governos que devem, com suas políticas, apontar os perigos de investir em novos poços e avançar com o fracking. Entretanto, salvo algumas exceções, ninguém na região propõe o debate.
Tudo isso levanta a necessidade de transformar nosso esquema de produção, nosso sistema de transporte, a própria vida. Os relatórios mencionados são uma amostra da gravidade do problema. Se não quisermos que a temperatura aumente acima de 1,5°C até 2030, as emissões de GEE devem diminuir em 45%. Temos os meios; as alternativas são técnica e economicamente viáveis. No entanto, a ganância pode mais do que a simpatia, uma leitura tendenciosa do trabalho de Adam Smith.
Se não agirmos, não estamos só condenando as gerações futuras, forçaremos milhões de pessoas a uma busca desesperada por novas fronteiras e sentenciaremos milhares de pessoas à exposição a eventos cada vez mais extremos. E se negligenciarmos os perigos de avançar sobre os limites da Terra, a economia perde o sentido. Ao apresentar o último relatório, o diretor executivo do PNUMA, Inger Andersen, afirmou que a janela está se fechando sobre nós, que não há espaço para mudanças incrementais pois o tempo acabou. O momento atual exige repensar nosso modo de vida, repensemos nossas perspectivas.
Autor
Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Estado e da Sociedade -CEDES (Buenos Aires). Autor de "Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development", Cambridge University Press, 2020.