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Transparência em Cuba e na América Latina

Há alguns dias, a Transparência Internacional (TI) publicou sua mais recente classificação do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), que corresponde às medições realizadas durante o ano de 2023. As análises da TI concentram-se no fenômeno da corrupção e em como este afeta o funcionamento normal das instituições estatais. O relatório mais recente dá atenção especial ao sistema judiciário. O IPC classifica 180 países e territórios de acordo com seus níveis percebidos de corrupção no setor público, com base em critérios obtidos de diversas fontes, incluindo especialistas e empresários. Ele se baseia em 13 dados independentes e usa uma escala de zero a 100, em que o primeiro desses valores equivale a um país muito corrupto e o segundo a um país muito limpo.

De acordo com os dados apresentados pela TI, mais de dois terços dos 180 países pesquisados obtiveram uma pontuação inferior a 50, o que indica que eles têm graves problemas de corrupção. A média global estagnou em 43 pontos, enquanto a grande maioria dos países não fez nenhum progresso ou declinou em seu status na última década. De fato, mais de vinte países atingiram suas pontuações mais baixas desde que o ranking é emitido.

Até mesmo o país mais bem classificado da América Latina, o Uruguai, desceu em relação a 2022. Mas algo que também considero notável é o fato de Cuba, o Estado com o regime político mais autocrático e fechado da América Latina, estar em uma classificação mais alta do que algumas das democracias da região. Cuba ficou em 76º lugar com 42 pontos, apesar de ter caído na classificação geral em comparação com 2022. No entanto, a Colômbia está em 87º lugar, com 40 pontos, a Argentina em 98º lugar, com 37 pontos, o Brasil em 104º lugar, com 36 pontos, a República Dominicana em 108º lugar, com 35 pontos, e o Equador em 115º lugar, com 34 pontos. Nesse contexto, vale a pena perguntar quais critérios a organização TI levou em conta para classificar Cuba acima de várias democracias latino-americanas.

Não é óbvio que esses últimos países possam ter sérios problemas de corrupção que afetam o setor público em geral e o judiciário em particular. No entanto, o IPC não capta alguns aspectos da realidade, de modo que a autocracia mais duradoura da América Latina e do Caribe, e a terceira mais longeva do mundo – refiro-me aos Estados com regimes autocráticos de partido único, em relação aos quais Cuba só é superada em durabilidade pela China e pela Coreia do Norte – tenha menos problemas de corrupção do que os Estados democráticos. Uma análise da correspondência entre alguns dos critérios estabelecidos pela TI em seu site oficial e a realidade cubana é útil para demonstrar meu ponto.

Por exemplo, a TI menciona que existe uma tendência mundial de enfraquecimento dos sistemas judiciais, o que reduz a responsabilidade dos funcionários públicos e, por sua vez, permite que a corrupção prospere. Segundo a mencionada organização, tanto os líderes autoritários quanto os democráticos prejudicam a justiça. Isso resulta em impunidade para aqueles que cometem atos corruptos e os incentiva ao eliminar as consequências para os infratores. Atos corruptos, como suborno e abuso de poder, se infiltraram nas instituições judiciais em todo o mundo. Isso faz com que as pessoas vulneráveis tenham acesso restrito à justiça, enquanto as elites econômicas e políticas se apropriam de sistemas de justiça completos, às custas do bem comum.

Com base nessa afirmação, é possível argumentar que no contexto cubano existem deficiências estruturais que condicionam a transparência e a prestação de contas dos órgãos judiciais. Em primeiro lugar, vários organismos internacionais pertencentes ao sistema universal de proteção dos direitos humanos criticaram o Estado cubano pela falta de independência do poder judiciário.

Com base nessa afirmação, é possível argumentar que no contexto cubano existem deficiências estruturais que condicionam a transparência e a prestação de contas dos órgãos judiciais. Em primeiro lugar, vários organismos internacionais pertencentes ao sistema universal de proteção dos direitos humanos criticaram o Estado cubano pela falta de independência do poder judiciário.

A eleição dos juízes profissionais e leigos do Supremo Tribunal Popular é um poder da Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP), conforme previsto no Artigo 109 (inciso h) da Constituição de 2019. Esse órgão é amplamente controlado pelo Partido Comunista de Cuba (PCC), o único partido legal de acordo com o Artigo 5 da Constituição. A grande maioria dos 470 deputados da ANPP são militantes dessa força política, entre os quais se destacam integrantes da elite partidária. Como resultado, a eleição dos membros da mais alta instância do judiciário é cooptada pelos dirigentes do PCC, um fenômeno que também ocorre em nível local, o que permite que fiquem impunes os atos de corrupção de vários de seus funcionários de mais alto nível.

Por outro lado, a TI reconhece que a justiça e o estado de direito efetivo são essenciais para prevenir e deter a corrupção tanto em nível nacional quanto internacional. Ambos são os pilares da democracia e incorporam noções de justiça e responsabilidade. A impunidade gerada pela corrupção implica uma situação de injustiça e um fracasso do Estado de Direito. Da mesma forma, a mencionada organização também reconhece que o autoritarismo em alguns países contribui para essa tendência, mesmo nos países democráticos.

Nesses contextos, os mecanismos para controlar os governos foram enfraquecidos. O enfraquecimento dos sistemas de justiça e as restrições às liberdades cívicas foram implementados por Estados com governos de todo o espectro político. Por isso, de acordo com a TI, os países com um estado de direito sólido e instituições democráticas em bom funcionamento tendem a ter uma pontuação melhor no IPC. Os estados democráticos tendem a superar em muito os regimes autoritários quando a corrupção é controlada.

Se a TI reconhece que a democracia e o estado de direito são fundamentais na luta contra a corrupção e que sua incidência no IPC é tão importante, então como é possível que Cuba tenha pontuações melhores do que algumas democracias latino-americanas, por mais debilitadas que sejam? O cruzamento dos dados do IPC com os de outros índices confirma que há algo errado com o peso dado à democracia e ao Estado de Direito na classificação do Estado cubano. Assim, os indicadores do projeto “Varieties of Democracy” da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, demonstram que Cuba é uma autocracia fechada desde 1972. Esse resultado também é confirmado pelos indicadores de liberdade da Freedom House.

Por fim, a TI argumenta que, em muitos países, os autores de grandes atos de corrupção geralmente se beneficiam da impunidade devido a deficiências na administração dos sistemas de justiça. As instituições judiciais são suscetíveis à captura por grupos políticos, econômicos ou de interesses especiais. Nos casos mais extremos, as redes clientelistas e de patrocínio usam sua influência para criar impunidade em benefício de seus membros por meio da manipulação de processos legais.

No contexto cubano, isso é muito comum. Além da já mencionada falta de independência judicial, há a estreita colaboração dos tribunais com a promotoria e os órgãos do Ministério do Interior (MININT), o que foi demonstrado por um vídeo publicado por um veículo de imprensa cubano independente. O material mostra como essas instituições coordenam a administração da justiça em Cuba, o que impede que a corrupção da elite política seja processada adequadamente.

Com base nesses elementos, parece-me bastante claro que o IPC não capta a realidade da corrupção em Cuba, um fenômeno que se tornou mais complexo nos últimos anos devido à expansão da propriedade privada em um contexto de controle rígido exercido por uma pequena elite política. Esta tem um poder discricionário absoluto sobre quais negócios privados são aprovados ou não, independentemente de haver capital nacional ou estrangeiro envolvido. Tal ordem de coisas deve ser vista como consubstancial à natureza do Estado cubano, que não assume a transparência e a responsabilidade como princípios orientadores de sua organização e funcionamento, ao mesmo tempo em que rejeita a democracia como regime político.

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Coordinador del Observatorio Legislativo de Cuba. Licenciado en Derecho por la Universidad de La Habana y Magíser en Derecho Constitucional por la misma universidad.

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