O silêncio da presidente do Peru, Dina Boluarte, e de seu primeiro-ministro, Alberto Otárola, diante das investigações preliminares sobre os massacres ocorridos entre dezembro de 2022 e março de 2023, nos quais membros da polícia nacional dispararam abertamente contra manifestantes e deixaram um saldo de 77 vítimas, destaca o constante isolamento das instituições estatais diante das demandas dos cidadãos. Isso parece ser uma espécie de pacto entre quem detém o poder no Estado com o objetivo de evitar a todo custo qualquer alteração em suas posições de poder.
Grande parte do judiciário também está nesse isolamento, já que a promotora nacional, Patricia Benavides, evita responder a perguntas. Ademais, foi apontado que ela não cumpriu os requisitos acadêmicos necessários para alcançar um cargo tão alto. Há também a preocupação com sua intenção aberta de intervir na repressão às investigações que beneficiam uma rede criminosa que opera dentro do judiciário.
Frente a essas últimas manobras, o Conselho Nacional de Justiça (JNJ), um órgão autônomo encarregado de garantir a independência e idoneidade das pessoas que atuam no sistema de justiça e nas autoridades eleitorais, iniciou uma investigação. Isso provocou uma contraofensiva contra esse órgão, que se tornou uma estratégia de intimidação. Nesse contexto, o Congresso da República se uniu ao Ministério Público para ordenar uma investigação sumária contra os membros do JNJ, embora não houvesse base jurídica objetiva ou causa disciplinar prevista em lei para realizar tal ação.
Em uma tentativa de promover a sensatez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos comunicou a necessidade de respeitar as garantias do devido processo e o princípio da legalidade. Advertiram que, caso contrário, as atividades do JNJ seriam substancialmente afetadas, o que, por sua vez, contribuiria para o enfraquecimento da independência judicial no Peru.
O isolamento institucional também tem sido um objetivo do Congresso. Diante das constantes ameaças à estabilidade política durante o governo de Pedro Castillo, os cidadãos exigiram novas eleições gerais. Inicialmente, essa proposta foi aprovada em uma primeira votação parlamentar, mas depois foi formada uma aliança explícita entre forças antagônicas para assegurar a continuidade do mandato do atual presidente e dos congressistas.
No entanto, como parte de uma agenda para combater as tentativas de enfraquecer o estado de direito, o judiciário suspendeu uma medida judicial que impedia a investigação da promotora, o que a colocou em uma situação de grave vulnerabilidade.
Por outro lado, Vladimir Cerrón, ex-sócio de Pedro Castillo e operador de uma das forças parlamentares que se desintegraram no processo político, acabou se aliando a seus adversários mais conservadores no Congresso peruano. No entanto, os acordos tiveram um impacto limitado em outras esferas do Estado, já que ele foi recentemente condenado em segunda instância pelo crime de conluio em detrimento do Estado.
Diante desse cenário, o conflito entre cidadãos e governo é latente, representando um desafio especial que as autoridades eleitas se autoimpuseram devido à sua impopularidade. Seu objetivo é finalizar seu mandato e entregar o poder pacificamente através de eleições, o que para muitos parece ser um campo minado. A presidente e os congressistas ensaiam gestos autoritários, improvisam e, às vezes, atuam com indiferença diante as demandas dos cidadãos, o que torna o caminho ainda incerto.
Autor
Cientista político. Professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás, (Brasil) Doutor em Sociologia pela Univ. de Brasília (UnB). Pós-doutorado na Univ. de LUISS (Italia). Especializado em estudos comparativos sobre a América Latina.