À deriva. 2020 foi um ano que destacou a frágil estrutura que une o tecido social do Peru. Hoje, 2021 se aproxima com a indiferença e a melancolia. Estamos à beira de um Bicentenário da Independência emoldurado pela persistente incapacidade da classe dominante de traçar um rumo viável e um plano para uma República sustentável ao longo do tempo.
A elite empresarial e política peruana, teimosamente míope na hora de ler a realidade nacional, discutia há apenas 12 meses atrás o que deveria ser a inclusão urgente do Peru naquele “clube de países desenvolvidos” que é a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tal aspiração quixotesca foi fulminada pela pandemia, que expôs o já faminto sistema de saúde, perturbou a sabedoria convencional que disfarçava o crescimento econômico como um “Milagre Peruano” e manteve centenas de milhares de crianças em idade escolar em todo o país na incerteza.
A verificação da realidade se traduz em uma contração de 14% do PIB este ano, segundo o FMI – a segunda pior recessão na América Latina depois da Venezuela – e o sexto lugar mundial na taxa de mortalidade devido à crise sanitária. Segundo o The Economist, o Peru mal poderá contar com uma ampla disponibilidade de vacinas até 2022 e ainda não tem uma estratégia de compra ou distribuição.
Este ano foi também o ano da implosão política
Este ano foi também o ano da implosão política, com três presidentes em 12 meses e um Congresso amplamente desacreditado. A fragmentação política, a minúscula agência dos partidos e a gestão política como uma franquia de interesses particulares levaram a esta catatonia, que abre o caminho para o desgoverno e até mesmo para um ressurgimento autoritário. Ao mesmo tempo, já está sendo discutida a possibilidade de uma nova assembleia constituinte para substituir a Carta Magna de 1993.
As eleições gerais serão realizadas dentro de quatro meses. Até o momento, há 23 candidatos presidenciais na corrida. Pela primeira vez em 20 anos, não há ideia de quem terminará no segundo turno. Basta ver a última pesquisa IPSOS, onde até 11 candidatos têm as mesmas chances de ser presidente. Tal incerteza é um sintoma da anomia coletiva que vive o Peru. O desânimo e a desconfiança da população, somados à pobreza programática dos participantes, preveem um processo eleitoral cinzento e turbulento.
O Bicentenário do Peru
A imagem é chocante. Diante deste Bicentenário, não há mais espaço para a visão complacente que reduz a prosperidade a choques econômicos externos. É inviável assumir que o Peru será classificado como um país orientado para o desenvolvimento, com indicadores pobres em saúde e educação, corrupção endêmica, um sistema judicial acorrentado e agências de aplicação da lei que exigem reformas emergenciais.
É insustentável planejar a longo prazo se o já minúsculo sistema de pensão for depreciado sob promessas populistas daqueles que mercantilizam a ação política. O dinamismo econômico deve permear e incluir, caso contrário, um renascimento produtivo persistirá para apenas três em cada dez contribuintes. A monumental agenda à nossa frente não se resume a estas questões, mas é por aí que podemos começar, e que começo seria esse.
“O problema é, de fato e infelizmente, o Peru, mas também, felizmente, uma possibilidade”, disse o historiador Jorge Basadre. Felizmente, o Peru continuará a ser uma possibilidade. O impossível, tragicamente, parecem ser os peruanos nesta penitência sem fim.
Foto por IAPB/VISION 2020 em Foter.com / CC BY-NC-SA
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Economista. Professor adjunto do Instituto de Empresa em Madri. Ex-consultor em Educação Prática Global no Banco Mundial. Mestre em Administração Pública pela Universidade de Princeton.