Mais da metade dos seres humanos que habitam o planeta vivem em áreas urbanas e a proporção só aumenta. As cidades consomem 75% da energia, 60% do uso de água residencial e geram 80% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Além disso, as cidades promovem estilos de vida que produzem milhares de toneladas diárias de resíduos que causam grandes impactos nos ecossistemas com consequências muito diversas a nível social, econômico, sanitário e ecológico.
A taxa de geração de resíduos é exponencial, multifatorial e varia segundo o nível de industrialização de cada região. Além disso, grande quantidade dos resíduos que produzimos é sintética, resistente à degradação e potencialmente poluente. Também geramos grandes volumes de resíduos que, embora de origem orgânica, como papel, papelão e plásticos, não se degradam facilmente porque requerem certas condições ambientais e, em alguns casos, muito tempo. Por exemplo, uma garrafa plástica leva centenas de anos para se degradar.
Uma fração importante desses resíduos se origina nos lares, ocasionando um dos principais problemas ambientais urbanos. Alguns dados sugerem que cada pessoa, ao menos na América Latina e no Caribe, produz cerca de 1 kg de resíduos por dia, embora haja países que ultrapassam isso. São milhares de toneladas diárias e, para abordar os problemas que geram tantos resíduos, não basta só melhorar os sistemas de limpeza e gestão das cidades, mas é necessário construir novas formas de se relacionar com os objetos. É importante interpelar os padrões de consumo, os processos produtivos e o que fazer com o que não é mais necessário.
Por que são gerados tantos resíduos?
Um olhar crítico sobre o porquê gerar tantos resíduos revela a profunda interconexão entre a vida urbana, os padrões de consumo, os processos produtivos, os modelos econômicos capitalistas, o desenvolvimento tecnológico, as políticas públicas, bem como certos aspectos educacionais, culturais e de gênero. Os modelos econômicos lineares e altamente tecnológicos desenvolvidos pela sociedade de consumo favorecem a intensificação da extração de materiais, a produção de artefatos, a comercialização, o consumo e o descarte rápido.
Para reverter as crises econômicas mundiais do início do século XX, criou-se estratégias como a obsolescência programada, instalando uma cultura de descarte e imediatismo. A obsolescência programada consiste em reduzir intencionalmente a vida útil, o design ou a qualidade dos produtos e empregar estratégias comerciais para que as pessoas comprem novos itens permanentemente. Em suma, as empresas projetam de propósito objetos cuja vida útil é curta e seu conserto não seja muito acessível ou atraente. Ao mesmo tempo, a publicidade promove mecanismos para que seja mais gratificante comprar novos objetos.
A escassez de programas educativos que promovam comportamentos mais conscientes e contribuam para a tomada de decisões mais éticas e justas também influencia na geração de resíduos. Na região, as estratégias e políticas de educação ambiental são geralmente fracas, fragmentadas e, em geral, não orientadas aos processos de transformação social. São poucas as ações voltadas ao desenvolvimento de uma consciência crítica e compreensiva dos impactos do modelo de consumo predominante. Esse aspecto se reflete nas decisões tomadas, tanto a nível individual quanto coletivo, o que favorece o desenvolvimento de uma sociedade de consumidores acríticos e pouco comprometidos.
Os resíduos sólidos urbanos e a emissão de gases de efeito estufa
Parte dos GEEs gerados globalmente é proveniente do lixo doméstico. Todos os materiais úmidos compostáveis, como os restos de alimentos, bem como papel, papelão e materiais derivados de petróleo, como o plástico, podem emitir GEEs se não forem tratados adequadamente. Além disso, a incineração de resíduos em condições não controladas, além de gerar gases tóxicos, também aumenta a concentração de GEEs.
Os compostáveis úmidos representam quase metade dos resíduos domésticos. Sua decomposição na ausência de oxigênio gera biogás, que é constituído principalmente por metano, um dos gases que mais contribuem para a mudança climática. Alguns tipos de papel e papelão também são compostáveis sob certas condições, mas geralmente são considerados materiais recicláveis secos, uma fração importante do lixo doméstico que pode exceder 35% e inclui plásticos, papel, papelão, tetrabrick, vidro e metais.
Os plásticos mais comuns emitem traços de metano e etileno quando expostos à luz solar. Estima-se que aproximadamente 79% de todos os resíduos plásticos produzidos a nível global até 2015 estejam em aterros sanitários, dispersos em ecossistemas ou flutuando em “ilhas de lixo” no Oceano Pacífico. Todos os anos, 11 milhões de toneladas de resíduos plásticos entram no oceano, metade dos quais são embalagens de vida curta ou de uso único.
Por sua vez, o aumento dos GEEs produz diversos impactos a nível global, como a perda de geleiras, o aumento do nível do mar, desequilíbrios nos padrões climáticos, aumento de doenças tropicais ou vinculadas a situações climáticas extremas, perda de biodiversidade e de solo fértil, entre outros impactos. Tudo isso traz consigo consequências negativas muito diversas ligadas aos meios de subsistência, à economia e à saúde das pessoas.
Como mudar essa realidade?
A complexidade e a interconexão de diferentes fatores que favorecem a produção e o má gestão de resíduos impõe uma abordagem crítica, coletiva e transdisciplinar. O ponto de partida é questionar e diminuir sua geração. É necessário interpelar os modelos de produção e consumo, a produção de descartáveis, em especial plásticos, e promover novas formas de consumo, alternativas ao modelo capitalista. Tratar adequadamente a fração de resíduos compostáveis é uma segunda ação importante.
Do ponto de vista da gestão integral de resíduos, é importante considerar a heterogeneidade dos territórios e suas necessidades, bem como impulsionar processos participativos orientados ao desenvolvimento do pensamento crítico e a construção coletiva de novos valores. Por exemplo, criar composteiras comunitárias pode ser relevante como um processo de gestão e educação crítica, contribuindo assim para a redução dos GEE gerados pelo lixo doméstico.
Outro aspecto relevante é a implementação de políticas orientadas a problematizar as práticas de consumo atuais. Alguns países adotaram estratégias de “Resíduo Zero”, uma proposta baseada na ideia de não gerar resíduos. Isso promove mudanças no consumo, reparação e reciclagem, redesenho de produtos e serviços, entre outros. Isso implica grandes desafios na hora de promover ações de comunicação ambiental, de transformar a cultura do “usar e jogar fora” e de compreender os processos ecossistêmicos, bem como reorientar os processos produtivos.
Autor
Licenciada em Biologia Humana e Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade da República. Coordena a Unidade de Extensão da Faculdade de Ciências da Universidade da República.
