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Por que as terras indígenas são chave para conservar a biodiversidade e mitigar as mudanças climáticas?

A verdadeira inclusão implica respeitar a diversidade de visões e permitir que os povos indígenas sejam os protagonistas de seu próprio desenvolvimento, sem impor modelos de conservação a eles.

A conservação da biodiversidade e a mitigação da mudança climática alcançaram um lugar prioritário na agenda global, impulsionando a criação de novas áreas protegidas e fortes investimentos em projetos ambientais. No entanto, o modelo de conservação atual é marcado por um profundo paradoxo: juntamente com essas prioridades e investimentos, não se dá a devida atenção à deterioração e à perda progressiva dos territórios indígenas, bem como à violência, à desigualdade e à falta de reconhecimento dos direitos daqueles que têm convivido com a natureza há séculos.

O respeito aos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios representa soluções eficazes e justas “baseadas na natureza”, pois promovem a mitigação das mudanças climáticas e a conservação da biodiversidade, bem como o bem-estar dos povos indígenas. Devido à integridade que geralmente caracteriza os ecossistemas dentro desses territórios, suas capacidades de armazenamento de carbono são mantidas.

Mas essas contribuições dos territórios indígenas para a saúde planetária estão vinculadas às cosmovisões, aos valores e aos modos de vida de seus povos. Esse é o caso do bem viver do povo quéchua (Sumak Kawsay) em vários países andinos, ou o bem viver do povo guarani (Teko Porâ) no Paraguai, no sul do Brasil e no norte da Argentina, bem como a cosmovisão mapuche no sul do Chile e na Argentina, e a de vários povos originários amazônicos.

De fato, não é coincidência que a desintegração social e cultural dos povos indígenas e a integridade ecológica de seus territórios estejam ocorrendo ao mesmo tempo, seja em nome do desenvolvimento, de interesses econômicos (legais e ilegais) ou de pressões de populações empobrecidas (indígenas ou não indígenas). Além dos extermínios ou deslocamentos forçados na época colonial, a desapropriação dos povos indígenas de suas terras continua avançando em diferentes países da América Latina. Os maias do México, os awajún e wampís da Amazônia peruana, os miskitu da Nicarágua, os mbä-guaranis do Paraguai e do Brasil, os mapuches do Chile e da Argentina, entre muitos outros, lutam para defender seus territórios ancestrais. Apesar dos avanços legais, como a aquisição de títulos de terras de propriedade coletiva, os meios de subsistência desses povos continuam sendo ameaçados e cedem lugar à expansão das indústrias extrativistas. 

Desaproriação e degradação

A desapropriação de povos indígenas de suas terras também pode ocorrer em nome da conservação, um fenômeno conhecido como apropriação verde (green grabbing), conservação excludente ou de fortaleza (fortress conservation), ou conservação colonial. Na América Latina, essas tensões podem ser encontradas em casos como o Parque Nacional Yasuní, no Equador, o Parque Nacional Manu, no Peru, a Reserva da Biosfera Maia, no México, ou o Parque Nacional Lanín, na Argentina. 

O deslocamento de povos indígenas por desapropriação e a consequente transformação de ecossistemas naturais ou seminaturais em pastagens, plantações e florestas são apenas a ponta do iceberg. A degradação da integridade geográfica, ecológica, cultural e social de seus territórios é tão frequente quanto pouco visível. Isso não apenas afeta a dignidade dos povos indígenas, mas também gera um círculo vicioso de pobreza, degradação ambiental e bloqueio do acesso a financiamento.

Nem tudo está perdido

Os territórios indígenas ainda contêm uma parte substancial das paisagens e ecossistemas menos modificados do planeta, e sabemos que muitos povos indígenas professam um respeito pela natureza que vai muito além de nossos melhores discursos conservacionistas. De acordo com pesquisas como a liderada por Stephen Garnett, publicada na revista Nature Sustainability, e outras que seguiram a mesma linha, os povos indígenas administram ou têm direitos sobre mais de um quarto da superfície terrestre do planeta, o que representa uma porcentagem significativamente maior do que outras terras protegidas, e um terço das Florestas Intactas do mundo encontra-se em terras indígenas. Isso as torna áreas cruciais para a mitigação da mudança climática, pois as taxas de perda de florestas permanecem significativamente mais baixas em terras indígenas do que em outras terras, embora com grandes variações entre os países.

Por que o investimento em conservação em terras indígenas não é proporcional ao papel fundamental que elas desempenham na conservação da biodiversidade? A falta de investimento se deve a uma série de restrições que variam de caso a caso: situação jurídica frágil da posse da terra; desvio de fundos para outros destinos; conflitos com políticas de desenvolvimento; administração ineficiente de fundos; restrições ao acesso a programas de ajuda e compensação; falta de mecanismos de controle para evitar a exploração ilegal de recursos e a invasão de terras indígenas; e, acima de tudo, desconfiança, em ambas as direções.

Rumo a soluções baseadas na justiça territorial indígena

É essencial estabelecer novas formas de colaboração entre as comunidades indígenas e outros atores locais e globais, de modo que as reivindicações territoriais indígenas e as preocupações globais sobre a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas sejam convergentes.

Para serem viáveis e sustentáveis, essas soluções baseadas na “justiça territorial indígena” precisam ser diferentes das antigas fórmulas assimétricas, em que os povos e territórios indígenas aparecem nos acordos como parágrafos politicamente corretos, mas, na prática, muitas vezes são relegados ao âmbito discursivo, sem se materializar em ações concretas. A maioria dos esforços para identificar e desenvolver oportunidades de negócios capazes de impulsionar soluções baseadas na natureza baseia-se em lógicas, linguagens e órgãos técnicos que não necessariamente atendem a essas realidades.

Em todo o mundo, foram desenvolvidas experiências valiosas que podem ser recuperadas, sistematizadas, aprimoradas e adaptadas a diferentes contextos. Um exemplo é o Projeto Kayapó no Brasil, que, em parceria com ONGs internacionais e o governo brasileiro, permitiu que o povo Kayapó implementasse programas de monitoramento florestal e de gestão sustentável de recursos naturais. Outros exemplos são o pagamento por serviços ambientais promovido pelo governo mexicano por meio da Comissão Nacional Florestal para o benefício dos povos originários e os Planos de Vida promovidos pelo governo colombiano para os U’wa e outras comunidades indígenas, e lições valiosas foram aprendidas até mesmo com os projetos REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) da FAO.

Mas para incorporar essas soluções de forma eficaz e sustentável, é necessário fortalecer os mecanismos de proteção dos direitos indígenas, garantir sua participação na tomada de decisões e assegurar uma distribuição equitativa dos recursos destinados à conservação.

Ainda há uma lacuna significativa entre os direitos reconhecidos e a realidade que eles vivem em seus territórios. Embora a titulação das terras indígenas seja um primeiro passo, ela nem sempre garante a proteção efetiva de seus direitos. Em muitos casos, a participação desses povos se limita à consulta, à informação ou à assinatura de acordos, quando eles são fundamentais para a retroalimentação de condutas e compromissos.

Para mudar essa realidade, é necessário reduzir as desigualdades dessas comunidades no acesso à educação, à saúde, à justiça, às tecnologias básicas e às autoridades. E assim como as desigualdades de gênero estão ganhando espaço nos programas internacionais de apoio, é importante que uma parte dos recursos seja destinada a financiar soluções de justiça territorial indígena.

Considerações finais

O reconhecimento e o respeito a esses territórios significam muito mais do que uma fórmula para reduzir as grandes transformações e a substituição de ecossistemas biodiversos. Para que os povos indígenas sejam de fato integrados às agendas de conservação, é fundamental evitar cair em estereótipos reducionistas que os limitem ao papel de “guardiões da natureza”. Essas visões, por mais bem-intencionadas que sejam, podem obscurecer as complexidades das culturas indígenas e, em última análise, não conseguem separar “soluções baseadas na natureza” de “soluções baseadas na natureza e justiça territorial indígena”.

A verdadeira inclusão implica respeitar a diversidade de visões e permitir que os povos indígenas sejam os protagonistas de seu próprio desenvolvimento, sem impor modelos de conservação a eles. A conciliação entre a justiça territorial indígena e as soluções baseadas na natureza depende da construção de vínculos livres e virtuosos que garantam o respeito aos seus direitos e seu papel fundamental na gestão de seus territórios.

*Um texto produzido em conjunto com o Instituto Interamericano de Pesquisas sobre Mudanças Globais (IAI). As opiniões expressas nesta publicação são de responsabilidade dos autores e não necessariamente de suas organizações.

Tradução automática revisada por Giulia Gaspar. 

Autor

Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade de Buenos Aires. Pesquisador Principal do CONICET. Atualmente trabalha na Fundação Bariloche (Argentina) como diretor do Programa de Sistemas Socioecológicos e tem interesse particular na governança dos serviços ecossistêmicos.

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