A crise entre Brasil e Venezuela não é recente. Vem desde a visita, em 2015, de uma comissão de parlamentares brasileiros, a líderes de oposição ao Governo de Nicolás Maduro. A divergência ideológica interna da política de poder no Brasil, ora entre Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e Partido dos Trabalhadores (PT) e, mais tarde, entre o bolsonarismo e o campo político considerado progressista, acabou elegendo a Venezuela como uma espécie de “exemplo” do que o Brasil viraria se os partidos de esquerda assumissem o poder. A Venezuela também acabou servindo de cabo de guerra de disputas políticas internas do Brasil. Apoiar líderes de oposição a Hugo Chávez e Nicolás Maduro, no Brasil, tornou-se uma espécie de identidade da direita brasileira.
Após a entrada de Bolsonaro ao poder, não só houve o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente eleito da Venezuela, como a expulsão de todos os diplomatas venezuelanos, a invasão da Embaixada da Venezuela em Brasília e um reconhecimento formal do Brasil a uma cidadã venezuelana não indicada pelo governo da Venezuela, o que é frontalmente ilegal e ataca diversos Artigos das Convenções de Viena (de 1961 e 1963).
Quando Lula ascendeu ao poder em 2023, havia expectativa de que as relações bilaterais retomassem ao patamar Lula-Chávez, o que não ocorreu, não só porque a conjuntura era outra, mas também porque a diplomacia brasileira observou o desgaste político de Maduro que não atendeu a chamados razoáveis, como a disponibilização das atas das eleições de 2024. Esse desgaste resultou no veto do Brasil ao ingresso da Venezuela nos BRICS e no não reconhecimento, por parte do governo venezuelano, da guarda brasileira sobre a Embaixada Argentina em Caracas. É muito preocupante observar a queda nas relações bilaterais do Brasil com a Venezuela, que possui a maior reserva de petróleo do mundo, é membro fundador da OPEP, poderia ajudar a baixar o custo da gasolina para todos os brasileiros e auxiliar muito no sistema elétrico. Apenas os cidadãos de Roraima puderam aproveitar, historicamente, todos os benefícios da parceria estratégica Brasil-Venezuela.
O que esperar da relação bilateral Brasil-Venezuela para 2025?
A atual gestão da política externa do governo Lula decidiu ser a fiadora das últimas eleições venezuelanas, por motivos ainda não identificáveis. Seja para tentar resgatar uma possível liderança regional ou para servir de ponto de regulação entre Venezuela e a Casa Branca, esta última decidida a pôr fim ao regime chavista desde sempre, por meio de práticas altamente questionáveis do ponto de vista diplomático, como sequestro de chefe de Estado, sequestro de bens e recursos venezuelanos (inclusive em países terceiros) e entrega das reservas da Venezuela depositadas em território americano a líderes não eleitos e auto proclamados presidentes.
Sem nos atermos aos motivos políticos e/ou estratégicos que fizeram o Brasil adotar essa posição de fiador das eleições venezuelanas, o fato é que não deu certo. O Brasil ganhou um descrédito substantivo por parte da Casa Branca e uma desavença importante por parte do Governo Maduro. Isso porque o Brasil não apresentou, com a objetividade que o tema requer, a sua posição nesse processo. Não apresentou nenhum resultado objetivo e sequer teve as suas propostas ouvidas pelo governo venezuelano. Além disso, vetou a entrada da Venezuela aos BRICS. Uma posição vacilante nesse nível realmente não auxilia o processo político nem bilateral e nem multilateral.
O Brasil enfrenta dificuldades para articular uma estratégia clara em relação à Venezuela, gerando dúvidas tanto internamente quanto na comunidade internacional. Apesar de tentativas de reagir ao posicionamento dos EUA contra o regime venezuelano, o país não apresentou um plano político ou metodológico compreensível. Como política pública, a política externa brasileira precisa comunicar sua estratégia para temas como economia, migração, proteção a nacionais e cooperação fronteiriça. O veto à entrada da Venezuela nos BRICS sugere falta de cooperação, enquanto outras mensagens indicam a intenção de construir pontes. Um plano estratégico detalhado e transparente para as relações Brasil-Venezuela é o que todos esperamos.
Futuro do Diálogo entre Brasil e Venezuela
A ciência política nos informa que é possível construir um mínimo de objetividade e pragmatismo nas relações internacionais. O que a população brasileira precisa entender é: a Venezuela é importante para o Brasil? Em caso positivo, precisamos do detalhamento dessa importância em todos os aspectos. Uma vez reconhecida a sua importância estratégica para o Brasil, é importante comunicar à sociedade brasileira que, apesar de alguns pontos de divergência, a relação bilateral precisa continuar sob pena de prejuízo para milhares de cidadãos brasileiros e venezuelanos.
Nossa política exterior precisa ser sólida e comprometida com o desenvolvimento nacional, a partir de uma concepção que traga à cena principal agentes historicamente negligenciados e erroneamente percebidos como não produtores de riqueza, como mulheres, negros, indígenas e todas as minorias sociais. Se, às vezes, a agenda está desgastada com setores tradicionais, como o industrial ou o comercial, ela pode ser expandida para outros campos. A nenhum/a governante brasileiro lhe é dada a prerrogativa de governar de acordo com os seus valores. Não foi para isso que ele/a foi eleito. Entregamos o nosso voto àquele ou àquela que acreditamos que soubesse melhor representar os interesses da nação, em sua diversidade, complexidade e na medida da justiça social.
Deixar que juízos de valor afetem a relação bilateral nunca é uma boa estratégia, até porque se tomarmos a postura de julgadores dos nossos vizinhos, eles também se sentirão no direito de nos julgar e nossas falhas são grandes. Então, a melhor maneira de construir equilíbrio nas relações internacionais é evitar a interferência em problemas internos porque a chance de falha é gigantesca e realmente não faz sentido nenhuma ação intervencionista, vinda de qual lado for. Interesses respeitosos e estratégicos, tratados com a maturidade e profissionalismo que o tema merece é a única coisa que enriquece a todos e todas.
Autor
Doutora em Antropologia da América Latina e do Caribe pela Universidade de Brasília. Diretora do Instituto Maria Quitéria e co-fundadora da Iniciativa Brasil-Haiti. Realizou estudos de pós-doutorado na Universidade Estadual do Haiti.