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Jeanine Áñez: vítima ou culpada?

A ex-presidente da Bolívia, Jeanine Áñez, será julgada em 2022 pelo alegado delito de não cumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição Política do Estado. O processo será desenvolvido no âmbito de um poder judicial que foi extremamente questionado pela opinião pública devido à sua dependência política e a constante interpelação à ex-presidente por setores alinhados ao MAS que a acusam de ser uma líder golpista por assumir a presidência em 2019 sem respeitar os procedimentos internos da Assembleia Plurinacional.

No entanto, deve-se ter em conta que Áñez assumiu a presidência baseada em uma sentença constitucional e em um momento crítico devido à lacuna de governo, a fim de evitar um caos maior, na sequência da renúncia de Evo Morales e de todas as autoridades as quais correspondia a sucessão presidencial.

Este acontecimento político continua polarizando a sociedade boliviana e a questão permanece em aberto: Jeanine Áñez é vítima de um sistema judicial politicamente dependente do governo no poder ou é ela a culpada da morte de civis que se manifestavam a favor do ex-presidente Morales?

Vítima de um sistema judicial politizado?

Seis fatores devem ser levados em conta para compreender a ascensão de Jeanine Áñez à presidência de forma interina e o seu reconhecimento legal pela Assembleia Legislativa com maioria do MAS. Primeiro, Evo Morales violou a constituição quando concorreu para um quarto mandato consecutivo à presidência em 2019, após um referendo que lhe negara a presidência em 2016. Em segundo lugar, os congressistas do MAS não participaram na sessão extraordinária da Assembleia convocada para resolver a lacuna de poder. Terceiro, em 12 de Novembro de 2019, depois de Añez ter assumido a presidência, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) deu o seu respaldo legal à sucessão no marco da Sentença Constitucional 0003/01 de 31 de julho de 2000, que se sustenta na “vaga” do presidente. A quarta certeza é que Morales foi quem convocou a OEA para auditar as eleições. A quinta certeza são as irregularidades do processo eleitoral de 2019, demonstradas pelos observadores da OEA. E por último, o Artigo 4 da Lei Excepcional para a Prorrogação do Mandato Constitucional das Autoridades Eleitas, assinado pelos representantes do MAS em janeiro de 2020, declara que “Excepcionalmente, se prorroga o mandato da Presidente do Estado Plurinacional… até à tomada de posse das novas autoridades”.

A crise sócio-política de 2019 colocou Añez como um ator-chave com uma margem de ação porque a sua investidura proporcionou segurança institucional face ao caos desenvolvido antes, durante e depois da cadeia de renúncias do partido no poder (MAS) que levou à anarquia política. No entanto, em 2022, Áñez encontra-se vítima de um sistema judicial que é altamente questionado pela sua parcialidade quando se trata de opositores políticos do MAS.

De acordo com a sua defesa legal, existem numerosas ilegalidades no processo, incluindo a sua saúde, já que se encontra em greve de fome, o desenrolar do caso e o julgamento através de tribunais ordinários e não na Assembleia Legislativa através de um juízo de responsabilidades, entre outros.

Culpada da morte de cidadãos?

Um acontecimento infame no início da gestão de Áñez foi a morte de mais de 30 cidadãos nas localidades de Senkata (La Paz) e Sacaba (Cochabamba) como resultado de operações militares e policiais. Este é o eixo da interpelação por parte do MAS sobre o seu governo interino e as condições político-institucionais sob as quais foi nomeada presidente.     

Para explicar o questionamento do MAS sobre as condições político-institucionais em que assumiu como primeira mandataria, identificamos quatro certezas jurídicas. Em primeiro lugar, a Assembleia Plurinacional não se reuniu para admitir ou negar a renúncia de Evo Morales da presidência. Em segundo lugar, a maioria parlamentar não estava presente para receber o juramento de posse da Presidente. Terceiro, a constituição estabelece uma linha de sucessão presidencial até ao presidente da Câmara dos Deputados (Añez era segunda vice-presidente do Senado em representação do bloco opositor minoriatário). Por último, o Decreto Supremo n.º 4078 de 15 de novembro de 2019 isentou de responsabilide penal o contingente das forças armadas que participou no reestabelecimento da ordem interna.

Em suma, as violações da Carta Magna e as mortes propiciaram o cenário para que o MAS acuse a Áñez como culpada de violação da ordem constitucional.

Paradoxal, catastrófico, injusto e condenável

É paradoxal que a Assembleia Plurinacional, que não lhe prestou juramento para tomar posse em 2019, tenha depois prolongado o seu mandato em 2020, e que o Tribunal Constitucional a reconheça como o primeira mandatária na altura e depois, com o novo governo de Luis Arce, o negue. Foi catastrófico o Decreto Supremo que deu luz verde aos militares para disparar contra os cidadãos mobilizados, livre de qualquer responsabilidade penal. É injusto um sistema de justiça que não permite o devido processo a uma ex-mandatária porque carece de um poder político que a respalde. E é condenável violar a Constituição, como Evo fez para concorrer pela quarta vez consecutiva à presidência, e como Jeanine fez na Assembleia Plurinacional para ser empossada como primeira mandatária.

Essa dupla condição de vítima e culpada de Jeanine Áñez é contraditória porque responde a diferentes certezas, critérios, ideologias e premissas. Não há uma verdade única. Por outras palavras, para alguns, Áñez é um símbolo de democracia e resistência, e para outros, de golpe de estado e morte. Portanto, como não é um caso politicamente solucionável, continuará polarizando a política boliviana, o que beneficia uma minoria e prejudica a maioria.

Autor

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Cientista político. Membro do Centro de Pesquisa Política da Faculdade de Direito da Universidad Autónoma Gabriel Rene Moreno (Santa Cruz de la Sierra). Publicou o ensaio "Rebelión y Pandemia". Proceso político-electoral en Bolivia 2019-2020" Edited by Plural.

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