Durante a pandemia, o vínculo entre Uruguai e China se aprofundou com o pleno acesso às vacinas Sinovac que chegaram para atender às demandas sanitárias uruguaias. Entretanto, o que chamou a atenção da política nacional e regional foi o anúncio do presidente uruguaio de que seria iniciado um estudo de viabilidade para assinar um Tratado de Livre Comércio (TLC) entre os dois países.
Naturalmente, tal estudo não garante a abertura das negociações, mas é considerado o primeiro passo para um TLC. A decisão do Uruguai e o movimento da China é mais um sinal de uma relação que cresce e que gera enormes expectativas nos atores nacionais.
Este é o último passo após a consolidação da relação entre Uruguai e China com a assinatura da declaração de Associação Estratégica durante a visita do presidente Tabaré Vázquez à China em 2016. Nessa viagem, foi lançada pela primeira vez a possibilidade de avançar na assinatura de um TLC bilateral, o que o ex-presidente uruguaio disse que aconteceria em 2018.
No final, o acordo não foi alcançado, sobretudo pela falta de liderança na política interna, onde alguns atores nacionais bloquearam a possibilidade de avançar nas negociações.
A oposição dos parceiros do MERCOSUL
As ambições do Uruguai, entretanto, enfrentam outro grande desafio e até o momento geraram controvérsia na região pelos diferentes pontos de vista dos membros do MERCOSUL. O Uruguai argumenta que pode avançar na assinatura de acordos bilaterais por entender que a Decisão 32/00 do Conselho do Mercado Comum não se encontra em vigor. Mas esta posição não é compartilhada pela Argentina, o que coloca o Tratado de Assunção em primeiro lugar, uma visão compartilhada, com menos ênfase, pelo Paraguai.
No caso do Brasil, deve-se lembrar que, em paralelo à proposta de flexibilização liderada pelo Uruguai, seu interesse foi fundamentalmente centrado na redução da tarifa externa comum do esquema de integração. O Brasil, em especial com o apoio do ministro da economia Guedes e do presidente Bolsonaro, acompanhou o Uruguai em sua proposta e nunca tomou uma posição firme contrária a um acordo do Uruguai com a China, embora tampouco o apoie expressamente.
Entretanto, com a mudança do chanceler, o Itamaraty voltou a cumprir um papel mais preponderante, o que derivou em sinais menos claros por parte do principal parceiro do Mercosul.
Neste marco, assumindo uma mudança de contexto – especialmente no Brasil pelo cenário eleitoral – os representantes uruguaios deveriam retornar às negociações, buscando, por exemplo, a regionalização das relações do bloco com a China, que poderia articular-se lançando um diálogo Mercosul-China no próximo semestre, quando o Uruguai terá em seu encargo a presidência do Mercosul.
Esse sinal seria de central importância para que a China decida seguir adiante com as negociações bilaterais. A decisão do Uruguai é legítima se levar em conta que todos as partes avançam em decisões que vão contra o Tratado de Assunção, uma ação que ocorre regularmente desde 1999 em diante.
Por outro lado, enquanto o Uruguai estabeleceu relações diplomáticas com a China em 1988, poucos anos depois da Argentina e do Brasil, o Paraguai é um dos 14 Estados do mundo que ainda mantém relações diplomáticas com Taiwan. Este é mais um obstáculo para as relações normais do Mercosul com a potência asiática.
Mas se o Uruguai quiser avançar nessa direção, além de lidar com seus vizinhos, deverá acelerar a negociação de outros acordos propostos pela China em áreas como a economia digital e verde, investimento e cooperação no âmbito do Cinturão e da Rota. Estes seriam sinais importantes para a China, já que acompanham a estratégia de alcançar uma Associação Estratégica Integral, onde a assinatura do TLC é um elemento de suma importância, mas não o único.
O caminho do TLC-Uruguai
Desde 1988, a relação do Uruguai com a China se aprofundou, não apenas no que se refere ao crescimento exponencial no comércio de bens, transformando há muito tempo a China no principal parceiro comercial do Uruguai, mas também em termos de cooperação e intercâmbios políticos. Os investimentos, no entanto, aumentaram, mas a um ritmo menor se comparado com outros países sul-americanos.
Desde o início do século XXI, a China começou a dar passos significativos para transformar-se em um ator global, ingressando na OMC em 2001, que em poucos anos a catapultou como principal exportador mundial, superando a Alemanha. A China também começou a ganhar terreno nas organizações internacionais do pós-guerra, uma estratégia complementada com a implementação de novas instituições e projetos estratégicos.
Em 2001 foi criada a Organização de Cooperação de Shangai, em 2013 a China lançou o megaprojeto do Cinturão e da Rota, em 2014 liderou o lançamento do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, em 2016 fez o mesmo com o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura e em 2020 conseguiu assinar o RCEP, o acordo comercial de maior impacto econômico e comercial a nível global.
Para a China, a assinatura de um acordo comercial é mais um elo em uma cadeia muito mais ampla de acordos e sinais que resultam no aumento do nível de importância que o Partido Comunista chinês atribui a determinados países. Portanto, para chegar a uma Associação Estratégica Integral, deve-se cumprir – especialmente no caso das economias pequenas – uma série de ações de longo prazo.
Neste sentido, o Uruguai assinou um número relevante de acordos de cooperação em diversas áreas, mas também ingressou na Iniciativa Cinturão e Rota, no Novo Banco de Desenvolvimento e no Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura, que são sinais claros da relevância outorgada ao seu principal parceiro comercial.
É claro que a aposta do Uruguai é muito ambiciosa, mas ainda é possível se a estratégia atual for parcialmente ajustada. O caminho do Uruguai rumo a um TLC com a China já começou e não deve haver nenhum ponto de retorno.
* Este texto foi originalmente publicado no site da REDCAEM.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Diretor do Instituto de Negócios Internacionais da Univ. Católica do Uruguai e coordenador do eixo temático de Economia, Comércio e Investimento da Redcaem. Doutor em Relações Internacionais pela Univ. Nacional de La Plata (Argentina).