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A COP28 e os desafios da América Latina

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) serão os anfitriões da COP28 (Conferência das Partes), que ocorrerá na cidade de Dubai entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, e já obtiveram sua carta de adesão ao novo regime internacional sobre mudanças climáticas. A agenda da cúpula é bastante ambiciosa e precisa ser analisada da melhor maneira possível para que se possa fazer um balanço dos desafios e oportunidades para os países latino-americanos diante dos impactos das mudanças climáticas.  

Proposta por seu presidente, Sultan Al Jaber, a agenda da COP28 já foi revelada em junho deste ano. A cúpula terá que condensar em uma declaração política um processo gigantesco que durou dois anos, com mais de 1.000 documentos de respaldo apresentados e três diálogos técnicos que atraíram centenas de especialistas e profissionais. O relatório de síntese da fase técnica conseguiu resumir tudo isso em 17 mensagens principais. Para ser franco, esse relatório oferece uma situação pouco lisonjeira em relação aos resultados obtidos até o momento.

Na minha opinião, há três conceitos básicos na linguagem das mudanças climáticas que precisam ser tratados de forma dialética, ou seja, em sua inter-relação, ao lidar com o tema. Trata-se de mitigação, adaptação e financiamento. Os pontos principais da agenda estão relacionados, de uma forma ou de outra, a esses três conceitos e são, de qualquer forma, de extrema importância para determinar se estamos trabalhando de forma eficiente e para o benefício de todos por igual. Considerando que o principal objetivo do processo de negociações é manter o aumento da temperatura média global abaixo de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, é necessário determinar com precisão as trajetórias correspondentes que as emissões globais devem seguir em nível nacional. Portanto, é evidente que as medidas de mitigação desempenham um papel central.

A mitigação

A mitigação é, em resumo, a redução das concentrações de gases de efeito estufa. Tal redução pode ser obtida por meio da redução de suas fontes (combustíveis fósseis) ou do aumento da capacidade dos sumidouros de carbono, como as florestas tropicais, de absorver os gases de efeito estufa da atmosfera. O Programa de Trabalho de Mitigação concentrou-se, em seu primeiro ano, na aceleração da transição energética justa, por meio de dois Diálogos Globais sobre sistemas de energia e transporte. Com base nesse trabalho, a COP28 deve adotar uma primeira decisão que marque um progresso sério. Houve uma luta intensa em Bonn, em junho deste ano, para incorporar esses temas. 

O programa de trabalho foi criado para promover a cooperação entre países e especialistas internacionais em áreas específicas e para vincular a mitigação e o investimento público e, sobretudo, privado. Os eventos deste ano, voltados para o investimento, estimularam a coordenação entre as principais iniciativas destinadas a apoiar a implementação das Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CDN), mas também destacaram questões estruturais, como a rápida aceleração dos investimentos limpos em nível mundial ou a necessidade de ampliá-los especificamente nas economias emergentes e em desenvolvimento. Seria desejável alavancar o bom desempenho de mitigação no Balanço Mundial e contribuir, por exemplo, para mobilizar oportunidades de investimento com uma perspectiva regional. Os Fóruns Regionais de Finanças têm um papel importante a desempenhar nesse sentido.

A adaptação

De acordo com a definição das Nações Unidas, a adaptação refere-se a ajustes nos sistemas ecológicos, sociais ou econômicos em resposta a estímulos climáticos reais ou esperados e seus efeitos. Em termos simples, os países e as comunidades precisam desenvolver soluções de adaptação e implementar ações para responder aos impactos atuais e futuros das mudanças climáticas. A adaptação foi o tema central de negociação na COP27, abordando áreas chave como o objetivo global de adaptação (GGA), o Comitê de Adaptação, o programa de trabalho de Nairóbi e os planos nacionais de ação de adaptação (PAN).

Considerando a presença de furacões e inundações recorrentes, o tema da adaptação é de crucial importância para países como Honduras ou as ilhas do Caribe. Todos os projetos de infraestrutura, agricultura ou rede de segurança social, entre outros, devem ser implementados levando em conta ou se adaptando a inundações, incêndios ou secas.

O financiamento

A falta de financiamento é um dos maiores problemas que dividem as nações ricas e pobres desde que o princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” foi cunhado na Conferência da Terra em 1992. Como os países industrializados historicamente geraram mais de 80% das emissões que hoje afetam principalmente os países mais pobres, sua parcela de responsabilidade é maior. É por isso que, em 2009, os países industrializados se comprometeram a aportar coletivamente US$100 bilhões por ano a partir de 2020. Infelizmente, ainda há uma lacuna entre as promessas e a realidade. Em 2020, o financiamento climático coletivo foi de US$83,3 bilhões. Os fluxos de financiamento público multilateral e bilateral para adaptação nos países em desenvolvimento diminuíram 15%, chegando a US$21 bilhões em 2021. Além disso, o financiamento climático continua a ser fornecido predominantemente na forma de empréstimos, uma grande parte dos quais não é concessional. Isso é agravado pelo fato de que a soma de US$100 bilhões é apenas uma fração do que é necessário para ajudar os países em desenvolvimento a cumprir as metas climáticas do Acordo de Paris. De acordo com a análise mais recente das necessidades de financiamento, os países em desenvolvimento precisam de pelo menos US$6 trilhões até 2030 para cumprir menos da metade dos objetivos existentes em suas CDNs.

O tema do financiamento das medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas será novamente um dos aspectos mais controversos da COP28. A América Latina e o Caribe, como região, precisam de cerca de US$77 bilhões em investimentos entre 2020 e 2030 para cumprir seus objetivos climáticos, dos quais o investimento público só pode cobrir cerca de um quarto. De acordo com as estimativas da Climate Funds Update, o financiamento climático na ALC está altamente concentrado em alguns países; Brasil, México, Costa Rica e Colômbia estão recebendo cerca de metade dos fundos para a região. Evidentemente, esse grupo mostra que existe nas negociações uma combinação de relevância e realismo político. As atividades de mitigação, incluindo a proteção florestal e o reflorestamento, recebem mais de cinco vezes mais fundos climáticos multilaterais do que a adaptação, com US$3,4 bilhões e US$670 milhões, respectivamente. Desde 2003, um total de US$5 bilhões foi aprovado para 550 projetos na região da América Latina a partir de fundos multilaterais para o clima.

Os desafios

Os sinais sobre a transição energética, em especial a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, bem como o cumprimento das altas expectativas criadas na COP27 em Sharm-el-Sheikh sobre o financiamento de perdas e danos, provavelmente serão os testes decisivos das discussões deste ano. A COP28 ocorre em um contexto geopolítico bastante tenso, caracterizado pela guerra de agressão russa contra a Ucrânia, pelo confronto entre os EUA e a China e pela intensificação do conflito no Oriente Médio, após o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro. A pergunta é se esse pano de fundo terá alguma influência sobre a dinâmica das negociações. Os resultados das conversas mais recentes entre a China e os EUA não parecem promissores. A ausência de qualquer menção à mudança climática mostra que o acordo entre as duas superpotências não é nada inovador. Ele toma algumas medidas técnicas importantes, mas não faz nada para conter a rápida expansão das usinas elétricas movidas a carvão na China, por exemplo. A recente decisão do presidente Joe Biden de não participar da conferência também não é muito animadora.

Como bem se sabe, a América Latina já está entre as regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas. O fato de os países dessa região dependerem em grande parte da agroexportação ou da extração de recursos e de atividades intensivas em carbono para o seu desenvolvimento econômico implica enormes desafios para se pensar em uma transição justa. A instabilidade social e política está fortemente ligada à volatilidade dos preços de exportações de matérias-primas das quais a região depende. As políticas sólidas de transição ecológica e justa são cruciais para atingir os objetivos climáticos regionais e globais, para os quais o financiamento continua sendo um grande desafio.

O que as delegações da maioria dos países do continente levam em suas bagagens a caminho da COP28? Em primeiro lugar, o eterno problema estrutural da desigualdade, que continua sendo um dos desafios mais difíceis de enfrentar na região. A América Latina e o Caribe (ALC) continuam a ser a região mais desigual do mundo. Em um mundo pós-pandemia, os países da ALC, atolados em crises econômicas e sanitárias, provavelmente estão mais preocupados com a recuperação econômica do que com a proteção do meio ambiente. Entretanto, enquadrar essas duas questões como opostos mutuamente exclusivos ou talvez antagônicos pode não ser a estratégia mais inteligente.

Um dos conceitos mais importantes na dinâmica das discussões é o de transição justa, introduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o define da seguinte forma: “Tornar a economia mais verde da maneira mais justa e inclusiva possível para todas as partes interessadas, criando oportunidades de trabalho decente e não deixando ninguém para trás”. Esse conceito tem sérias implicações que precisarão ser levadas em conta ao implementar as medidas necessárias, tanto no campo da mitigação quanto da adaptação. No caso da América Latina, países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Honduras e Paraguai incluíram objetivos e medidas de transição justa em suas CDN. Esse é, no entanto, um primeiro passo que pode ser essencial para concentrar as discussões na COP28.

Uma análise das últimas conferências mostra que a ALC não tem conseguido se apresentar com uma única voz. Por um lado, a adoção de posições mais radicalizadas decorrentes de processos populistas, seja de direita ou de esquerda, e, por outro lado, posições negacionistas não têm produzido bons resultados, nem para os parceiros nem para os interesses regionais. O mais importante seria desenvolver uma posição coordenada em nível latino-americano que coloque na mesa os desafios da região, especialmente no que diz respeito à adaptação e às exigências em relação ao financiamento e, por que não, à implementação de um fundo de danos e perdas.

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Doctor en Economía e investigador del Instituto SUEDWIND (Alemania). Fue investigador jefe del Depto. de Políticas de Desarrollo de dicho instituto y representante de Alemania ante la red europea no estatal para el desarrollo CONCORD.

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