Co-autor Leonardo E. Stanley
A tecnologia limpa evoluiu. Não só é viável produzir energia renovável em grande escala, como também é mais rentável. Mas o custo de uma turbina eólica instalada na Patagônia é muito maior que uma instalada em Düsseldorf. Na América do Sul, esta tecnologia enfrenta um custo de capital proibitivo. E são os países em desenvolvimento que carecem da tecnologia e devem importar os bens de capital, assim como os insumos associados. O acesso à fronteira tecnológica é um fator presente em qualquer processo de transformação produtiva e industrialização, e isto gera conflitos entre aqueles que têm o conhecimento e aqueles que não o têm.
Hoje, as negociações sobre tecnologia ocorrem à sombra de um direito internacional econômico marcado pelo paradigma neoliberal, onde a ciência e a tecnologia ocupam um lugar de privilégio na ordem jurídica e no processo de acumulação. O andaime legal do investimento estrangeiro e da propriedade intelectual restringe a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento. Isto resulta dos vários acordos bilaterais, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), que regulam o investimento estrangeiro e a tecnologia com um viés pró-investidor.
A tensão entre quem detém a tecnologia e quem tem que assumir compromissos climáticos é inserida no contexto de um crescente consenso a favor de ações concretas sobre a crise ambiental. Inicialmente localizada nos países desenvolvidos, a “onda verde” vem ganhando adeptos no mundo todo. Tudo começou com a publicação do relatório do clube de Roma em 1972 e os primeiros questionamentos sobre a indústria petrolífera. Com a Declaração do Rio em 1992, a temática ambiental chegou ao âmbito multilateral. Lentamente, os direitos ilimitados que beneficiavam os investidores começaram a ser questionados.
Lenta, mas inexoravelmente, a indústria limpa que iniciava sua marcha naqueles dias, hoje já alcançou tal maturidade que nos permite terminar com o reinado do “ouro negro”. Mas assim como, por um lado, temos o desafio da crise climática, por outro, temos a disciplina econômica e jurídica. E neste marco, a crise climática, entre outras coisas, vem questionar as limitações do esquema de transferência de tecnologia. A gravidade do momento apresenta a necessidade de transformá-lo agora.
Lamentavelmente, as boas intenções não bastam. É só olhar para as diversas arbitragens internacionais iniciadas contra os Estados que tentaram terminar com a produção energética a base de carvão e que foram processados por empresas do setor. As empresas petrolíferas, que conceberam estes mecanismos para se protegerem das mudanças que prometiam a descolonização, estão agora utilizando-os para se protegerem das mudanças necessárias para lidar com a crise climática. O Tratado de Energia acabou consagrando direitos que são prejudiciais ao processo de transição.
O mesmo poderia acontecer na América do Sul se os países decidissem limitar, ou mesmo proibir, as usinas elétricas de carvão ou a atividade petrolífera. Os investidores poderiam ameaçá-los ou processá-los no Centro Internacional de Resolução de Disputas de Investimentos (CIADI), uma estrutura associada ao Banco Mundial. A boa notícia é que esta última entidade reconhece a necessidade de avançar com a transição. A má é que faz pouco para transformar a estrutura legal e institucional que ajudou a instaurar há quatro décadas e que agora trava o processo.
Felizmente, está surgindo um consenso para transformar o direito internacional que dificulta a transferência de tecnologia e que protege de forma excessiva os investidores estrangeiros. Os especialistas Karl Sauvant e Howard Mann propuseram, há alguns anos, avançar para um esquema de investimento estrangeiro que prioriza a qualidade sobre a quantidade, a equiparação de direitos, a melhoria social, o cuidado com o meio ambiente e a transparência.
Um dos principais aspectos econômicos que destacam é que o investimento deve promover a pesquisa e o desenvolvimento no país hóspede. Acreditamos que qualquer novo tratado deve também reconhecer a transferência de tecnologia, outro aspecto chave ao discutir a transição energética no Sul.
A visão regional
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) não é apenas uma maravilhosa usina de pensamento regional, é também uma das poucas organizações que têm defendido a importância da diversificação produtiva e o avanço tecnológico para tirar a região do atraso econômico e social. Em função disso, a problemática da transferência de tecnologia sempre esteve presente na elaboração de suas propostas (assim como no manual da Comunidade Andina de Nações – CAN). Se antes destacava a necessidade de acesso ao conhecimento técnico para avançar na industrialização, hoje ressalta a importância do acesso para resolver também questões ambientais, incluindo a luta contra a mudança climática.
Mas embora existam numerosos estudos que abordam a problemática ambiental, pouco se fala da restrição institucional à qual a região está submetida em virtude da legalidade neoliberal imperante. Esta lacuna deve ser tratada com os países desenvolvidos para que as promessas se transformem em soluções. A comunidade internacional precisa repensar as regras internacionais que governam a propriedade intelectual e o regime de promoção, proteção e facilitação do investimento estrangeiro.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Professor de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade de Valparaíso. Doutor pela London School of Economics and Political Science. Foi professor convidado na Durham University e no Institute for Global Law and Policy, Harvard Law School.